LIVRO DE SOCIOLOGIA - Carlos Benedito Martins

  • Imagem

    Imagem #1

    LIVRO DE SOCIOLOGIA

Clique na Imagem para aumentar

O QUE É SOCIOLOGIA

38ª ed. - São Paulo Brasíliense, 1994,
(Coleção primeiros passos)

                                           ÍNDICE


• Introdução........................................................3
• Capítulo primeiro: O surgimento............................5
• Capítulo segundo: A formação..............................18
• Capítulo terceiro: O desenvolvimento.....................38
• Indicações para leitura........................................51
• Sobre o autor....................................................53

 

                                                         INTRODUÇÃO

A sociologia constitui um projeto intelectual tenso e contraditório. Para alguns ela representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominantes, para outros ela é a expressão teórica dos movimentos revolucionários.
A sua posição é notavelmente contraditória. De um lado, foi proscrita de inúmeros centros de ensino. Foi fustigada, em passado recente, nas universidades brasileiras, congelada pelos governos militares argentino, chileno e outros do gênero. Em 1968, os coronéis gregos acusavam-na de ser disfarce do marxismo e teoria da revolução. Enquanto isso, os estudantes de Paris escreviam nos muros da Sorbone que "não teríamos mais problemas quando o último sociólogo fosse estrangulado com as tripas do último burocrata".
Como compreender as avaliações tão diferentes dirigidas com relação a esta ciência? Para esclarecer esta questão, torna-se necessário conhecer, ainda
que de forma bastante geral e com algumas omissões, um pouco de sua história. Isto me leva a situar a sociologia - este conjunto de conceitos, de técnicas e de métodos de investigação produzidos para explicar a vida social - no contexto histórico que possibilitou o seu surgimento, formação e desenvolvimento.
Este livro parte do princípio de que a sociologia é o resultado de uma tentativa de compreensão de situações sociais radicalmente novas, criadas pela então nascente sociedade capitalista. A trajetória desta ciência tem sido uma constante tentativa de dialogar com a civilização capitalista, em suas diferentes fases.
Na verdade, a sociologia, desde o seu início, sempre foi algo mais do que uma mera tentativa de reflexão sobre a sociedade moderna. Suas explicações sempre contiveram intenções práticas, um forte desejo de interferir no rumo desta civilização. Se o pensamento científico sempre guarda uma correspondência com a vida social, na sociologia esta influência é particularmente marcante. Os interesses econômicos e políticos dos grupos e das classes sociais, que na sociedade capitalista apresentam-se de forma divergente, influenciam profundamente a elaboração do pensamento sociológico.
Procuro apresentar, em termos de debate, a dimensão política da sociologia, a natureza e as conseqüências de seu envolvimento nos embates entre os grupos e as classes sociais e refletir em que medida os conceitos e as teorias produzidos pelos sociólogos contribuem para manter ou alterar as relações de poder existentes na sociedade.

 

                                   CAPÍTULO PRIMEIRO: O SURGIMENTO

Podemos entender a sociologia como uma das manifestações do pensamento moderno. A evolução do pensamento científico, que vinha se constituindo desde Copérnico, passa a cobrir, com a sociologia, uma nova área do conhecimento ainda não incorporada ao saber científico, ou seja, o mundo social. Surge posteriormente à constituição das ciências naturais e de diversas ciências sociais. A sua formação constitui um acontecimento complexo para o qual concorrem uma constelação de circunstâncias, históricas e intelectuais, e determinadas intenções práticas. O seu surgimento ocorre num contexto histórico específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação da sociedade feudal e da consolidação da civilização capitalista.
A sua criação não é obra de um único filósofo ou cientista, mas representa o resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se empenharam em
compreender as novas situações de existência que estavam em curso.
O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia. As transformações econômicas, políticas e culturais que se aceleram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu. A dupla revolução que este século testemunha - a industrial e a francesa - constituía os dois lados de um mesmo processo, qual seja, a instalação definitiva da sociedade capitalista. A palavra sociologia apareceria somente um século depois, por volta de 1830, mas são os acontecimentos desencadeados pela dupla revolução que a precipitam e a tornam possível.
Não constitui objetivo desta parte do trabalho proceder a uma análise destas duas revoluções, mas apenas estabelecer algumas relações que elas possuem com a formação da sociologia. A revolução industrial significou algo mais do que a introdução da máquina a vapor e dos sucessivos aperfeiçoamentos dos métodos produtivos. Ela representou o triunfo da indústria capitalista, capitaneada pelo empresário capitalista que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o seu controle,convertendo grandes massas humanas em simples trabalhadores despossuídos.
Cada avanço com relação à consolidação da sociedade capitalista representava a desintegração, o solapamento de costumes e instituições até então existentes e a introdução de novas formas de organizar a vida social. A utilização da máquina na produção não apenas destruiu o artesão independente, que possuía um pequeno pedaço de terra, cultivado nos seus momentos livres. Este foi também submetido á uma severa disciplina, a novas formas de conduta e de relações de trabalho, completamente diferentes das vividas anteriormente por ele.
Num período de oitenta anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante a sua fisionomia. País com pequenas cidades, com
uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais
se concentravam suas nascentes indústrias, que espalharam produtos para o
mundo inteiro. Tais modificações não poderiam deixar de produzir novas realidades para os homens dessa época. A formação de uma sociedade que se
industrializava e urbanizava em ritmo crescente implicava a reordenação da
sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família
patricial etc. A transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por
último, em atividade fabril, desencadeou uma maciça emigração do campo para
a cidade, assim como engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de
pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhando um salário de
subsistência. Em alguns setores da indústria inglesa, mais da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres e crianças, que ganhavam salários
inferiores dos homens.
A desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho etc, tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas habituais de vida. Estas transformações, que possuíam um sabor de cataclisma, faziam-se mais visíveis nas cidades industriais, local para onde convergiam todas estas modificações e explodiam suas conseqüências. Estas cidades passavam por um vertiginoso crescimento demográfico, sem possuir, no entanto, uma estrutura de moradias, de serviços sanitários, de saúde, capaz de acolher a população que se deslocava do campo. Manchester, que constitui um ponto de referência indicativo desses tempos, por volta do início do século XIX era habitada por setenta mil habitantes; cinqüenta anos depois, possuía trezentas mil pessoas. As conseqüências da rápida industrialização e urbanização levadas a cabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto trágicas: aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade, da violência, de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da população etc.
É evidente que a situação de miséria também atingia o campo, principalmente os trabalhadores assalariados, mas o seu epicentro ficava, sem dúvida, nas cidades industriais.
Um dos fatos de maior importância relacionados com a revolução industrial é sem dúvida o aparecimento do proletariado e o papel histórico que ele desempenharia na sociedade capitalista. Os efeitos catastróficos que esta revolução acarretava para a classe trabalhadora levaram-na a negar suas condições de vida. As manifestações de revolta dos trabalhadores atravessaram diversas fases, como a destruição das máquinas, atos de sabotagem e explosão de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações livres, formação de sindicatos etc. A conseqüência desta crescente organização foi a de que os "pobres" deixaram de se confrontar com os "ricos"; mas uma classe específica, a classe operária, com consciência de seus interesses, começava a organizar-se para enfrentar os proprietários dos instrumentos de trabalho. Nesta trajetória, iam produzindo seus jornais, sua própria literatura, procedendo a uma crítica da sociedade capitalista e inclinando-se para o socialismo como alternativa de mudança.
Qual a importância desses acontecimentos para a sociologia? O que merece ser salientado é que a profundidade das transformações em Gurso colocava a sociedade num plano de análise, ou seja, esta passava a se constituir em "problema", em "objeto" que deveria ser investigado. Os pensadores ingleses que testemunhavam estas transformações e com elas se preocupam não eram, no entanto, homens de ciência ou sociólogos que viviam desta profissão. Eram antes de tudo homens voltados para a ação, que desejavam introduzir determinadas modificações na sociedade. Participavam ativamente dos debates ideológicos em que se envolviam as correntes liberais, conservadoras e socialistas. Eles não desejavam produzir um mero conhecimento sobre as novas condições de vida geradas pela revolução industrial, mas procuravam extrair dele orientações para a ação, tanto para manter, como para reformar ou modificar radicalmente a sociedade de seu tempo. Tal fato significa que os precursores da sociologia foram recrutados entre militantes políticos, entre indivíduos que participavam e se envolviam profundamente com os problemas de suas sociedades.
Pensadores como Owen (1771-1858), William Thompson (1775-1833),
Jeremy Bentham (1748-1832), só para citar alguns daquele momento histórico,
podiam discordar entre si ao julgarem as novas condições de vida provocadas
peta revolução industrial e as modificações que deveriam ser realizadas na
nascente sociedade industrial, mas todos eles concordavam que ela produzira
fenômenos inteiramente novos que mereciam ser analisados. O que eles
refletiram e escreveram foi de fundamental importância para a formação e
constituição de um saber sobre a sociedade.
A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela revolução industrial. Boa parte de seus temas de análise e de reflexão foi retirada das novas situações, como, por exemplo, a situação da classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as transformações tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica etc. É a formação de uma estrutura social muito específica - a sociedade capitalista - que impulsiona uma reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus antagonismos de classe. Não é por mero acaso que a sociologia, enquanto instrumento de análise, inexistia nas relativamente estáveis
sociedades pré-capitalistas, uma vez que o ritmo e o nível das mudanças que aí
se verificavam não chegavam a colocar a sociedade como "um problema" a ser
investigado. O surgimento da sociologia, como se pode perceber, prende-se em parte aos abalos provocados pela revolução industrial, pelas novas condições de
existência por ela criadas. Mas uma outra circunstância concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de pensamento. As transformações econômicas, que se achavam em curso no ocidente europeu desde o século XVI, não poderiam deixar de provocar modificações na forma de conhecera natureza e a cultura.
A partir daquele momento, o pensamento paulatinamente vai renunciando a uma visão sobrenatural para explicar os fatos e substituindo-a por uma indagação racional. A aplicação da observação e da experimentação, ou seja, do método científico para a explicação da natureza, conhecia uma fase de grandes progressos. Num espaço de cento e cinqüenta anos, ou seja, de Copérnico a Newton, a ciência passou por um notável progresso, mudando até mesmo a localização do planeta Terra no cosmo.
O emprego sistemático da observação e da experimentação como fonte para a exploração dos fenômenos da natureza estava possibilitando uma grande acumulação de fatos. O estabelecimento de relações entre estes fatos ia
possibilitando aos homens dessa época um conhecimento da natureza que lhes
abria possibilidade de a controlar e dominar.
O pensamento filosófico do século XVII contribuiu para popularizar os avanços do pensamento científico. Para Francis Bacon (1561 - 1626), por exemplo, a teologia deixaria de ser a forma norteadora do pensamento. A autoridade, que exatamente constituía um dos alicerces da teologia, deveria, em sua opinião, ceder lugar a uma dúvida metódica, a fim de possibilitar um conhecimento objetivo da realidade. Para ele, o novo método de conhecimento, baseado na observação e na experimentação, ampliaria infinitamente o poder do homem e deveria ser estendido e aplicado ao estudo da sociedade. Partindo destas idéias, chegou a propor um programa para acumular os dados disponíveis e com eles realizar experimentos a fim de descobrir e formular leis gerais sobre a sociedade.
O emprego sistemático da razão, do livre exame da realidade - traço que caracterizava os pensadores do século XVI I, os chamados racionalistas,
representou um grande avanço para libertar o conhecimento do controle
teológico, da tradição, da "revelação" e, conseqüentemente, para a formulação
de uma nova atitude intelectual diante dos fenômenos da natureza e da cultura.
Diga-se de passagem, que o progressivo abandono da autoridade, do
dogmatismo e de uma concepção providencial ista, enquanto atitudes intelectuais para analisar a realidade, não constituía um acontecimento circunscrito apenas ao campo científico ou filosófico. A literatura do século XVII, por exemplo, constituía uma outra área que ia se afastando do pensamento oficial, na medida em que se rebelava contra a criação literária legitimada pelo poder. A obra de vários literatos dessa época investia contra as instituições oficiais, procurando desmascarar os fundamentos do poder político, contribuindo assim para a renovação dos costumes e hábitos mentais dos homens da época.
Se no século XVIII os dados estatísticos voavam indicando uma produtividade antes desconhecida, o pensamento social deste período também realizava seus vôos rumo a novas descobertas. A pressuposição de que o processo histórico possui uma lógica passível de ser apreendida constituiu um acontecimento que abria novas pistas para a investigação racional da sociedade. Este enfoque, por exemplo estava na obra de Vico (1668 - 1744), para o qual é o homem quem produz a história. Apoiando-se nesse ponto de vista, afirmava que a sociedade podia ser compreendida porque, ao contrário da natureza, ela constitui obra dos próprios indivíduos. Essa postura diante da sociedade, que encontra em Vico um de seus expoentes, influenciou os historiadores escoceses da época, como David Hume (1711-1776) e Adam Ferguson (1723-1816), e seria posteriormente desenvolvida e amadurecida porHegel e Marx.
Data também dessa época a disposição de tratar a sociedade a partir do estudo de seus grupos e não dos indivíduos isolados. Essa orientação estava, por exemplo, nos trabalhos de Ferguson, que acrescentava que para o estudo da sociedade era necessário evitar conjecturas e especulações. A obra deste historiador escocês revela a influência de algumas idéias de Bacon, como a de que ë a indução, e não a dedução, que nos revela a natureza do mundo, e a importância da observação enquanto instrumento para a obtenção do conhecimento.
No entanto, é entre os pensadores franceses do século XVIII que encontramos um grupo de filósofos que procurava transformar não apenas as velhas formas de conhecimento, baseadas na tradição e na autoridade, mas a própria sociedade. Os iluministas, enquanto ideólogos da burguesia, que nesta época posicionava-se de forma revolucionária, atacaram com veemência os fundamentos da sociedade feudal, os privilégios de sua classe dominante e as restrições que esta impunha aos interesses econômicos e políticos da burguesia.
A intensidade do conflito entre as classes dominantes da sociedade feudal
e a burguesia revolucionária que leva os filósofos, seus representantes
intelectuais, a atacarem de forma impiedosa a sociedade feudal e a sua estrutura de conhecimento, e a negarem abertamente a sociedade existente.
Para proceder a uma indagação crítica da sociedade da época, os
iluministas partiram dos seus antecessores do século XVII, como Descartes,
Bacon, Hobbes e outros, reelaborando, porém, algumas de suas idéias e
procedimentos. Ao invés de utilizar a dedução, como a maioria dos pensadores
do século XVII, os iluministas insistiam numa explicação da realidade baseada
no modelo das ciências da natureza. Nesse sentido, eram influenciados mais
por Newton, com seu modelo de conhecimento baseado na observação, na
experimentação e na acumulação de dados, fio que por Descartes, com seu
método de investigação baseado na dedução.
Influenciado por esse estado de espírito, Condorcet (1742-1794), por
exemplo, desejava aplicar os métodos matemáticos ao estudo dos fenômenos
sociais, estabelecendo uma área própria de investigação a que denominava
"matemática social". Admitia ele que, utilizando os mesmos procedimentos das
ciências naturais para o estudo da sociedade, este poderia atingir a mesma
precisão de vocabulário e exatidão de resultados obtidas por aqueles.
Combinando o uso da razão e da observação, os iluministas analisaram
quase todos os aspectos da sociedade. Os trabalhos de Montesquieu (1689-
1755), por exemplo, estabelecem uma série de observações sobre a população,
o comércio, a religião, a moral, a família etc. O objetivo dos iluministas, ao
estudar as instituições de sua época, era demonstrar que elas eram irracionais e
injustas, que atentavam contra a natureza dos indivíduos e, nesse sentido,
impediam a liberdade do homem. Concebiam o indivíduo como dotado de razão,
possuindo uma perfeição inata e destinado à liberdade e à igualdade social.
Ora, se as instituições existentes constituíam um obstáculo à liberdade do
indivíduo e à sua plena realização, elas, segundo eles, deveriam ser eliminadas.
Dessa forma reivindicavam a liberação do indivíduo de todos os laços sociais
tradicionais, tal como as corporações, a autoridade feudal etc.
Procedendo desta forma, os iluministas conferiam uma clara dimensão
crítica e negadora ao conhecimento, pois este assumia a tarefa não só de
conhecer o mundo natural ou social tal como se apresentavam, mas também de
criticá-lo e rejeita-lo. O conhecimento da realidade e a disposição de transformála
eram, portanto, uma só coisa. A filosofia, de acordo com esta concepção, não
constituía um mero conjunto de noções abstratas distante e à margem da realidade, mas, ao contrário, um valioso instrumento prático que criticava a
sociedade presente, vislumbrando outras possibilidades de existência social
além das existentes.
O visível progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de
produzir e viver, contribuía para afastar interpretações baseadas em
superstições e crenças infundadas, assim como abria um espaço para a
constituição de um saber sobre os fenômenos histórico-sociais. Esta crescente
racionalização da vida social, que gerava um clima propício à constituição de um
estudo científico da sociedade, não era, porém, um privilégio de filósofos e
homens que se dedicavam ao conhecimento. O "homem comum" dessa época
também deixava, cada vez mais, de encarar as instituições sociais, as normas,
como fenômenos sagrados e imutáveis, submetidos a forças sobrenaturais,
passando a percebê-las como produtos da atividade humana, portanto passíveis
de serem conhecidas e transformadas.
A intensidade da crítica às instituições feudais levada a cabo pelos
iluministas constituía indisfarçável indício da virulência da luta que a burguesia
travava no plano político contra as classes que sustentavam a dominação
feudal. Na França, o conflito entre as novas forças sociais ascendentes
chocava-se com uma típica monarquia absolutista, que assegurava
consideráveis privilégios a aproximadamente quinhentas mil pessoas, isso num
país que possuía ao final do século XVIII uma população de vinte e três milhões
de indivíduos. Esta camada privilegiada não apenas gozava de isenção de
impostos e possuía direitos para receber tributos feudais, mas impedia ao
mesmo tempo a constituição de livre-empresa, a exploração eficiente da terra e -
demonstrava-se incapaz de criar uma administração padronizada através de
uma política tributária racional e imparcial.
A burguesia, ao tomar o poder em 1789, investiu decididamente contra os
fundamentos da sociedade feudal, procurando construir um Estado que
assegurasse sua autonomia em face da Igreja e que protegesse e incentivasse
a empresa capitalista. Para a destruição do "ancien régime", foram mobilizadas
as massas, especialmente os trabalhadores pobres das cidades. Alguns meses
mais tarde, elas foram "presenteadas", pela nova classe dominante, com a
interdição dos seus sindicatos.
A investida da burguesia rumo ao poder, sucedeu-se uma liquidação sistemática do velho regime. A revolução ainda não completara um ano de
existência, mas fora suficientemente intempestiva para liquidar a velha estrutura
feudal e o Estado monárquico.
O objetivo da revolução de 1789 não era apenas mudar a estrutura do
Estado, mas abolir radicalmente a antiga forma de sociedade, com suas
instituições tradicionais, seus costumes e hábitos arraigados, e ao mesmo
tempo promover profundas inovações na economia, na política, na vida cultural
etc. É dentro desse contexto que se situam a abolição dos grêmios e das
corporações e a promulgação de uma legislação que limitava os poderes
patriarcais na família, coibindo os abusos da autoridade do pai, forçando-o a
uma divisão igualitária da propriedade. A revolução desferiu também seus
golpes contra a Igreja, confiscando suas propriedades, suprimindo os votos
monásticos e transferindo para o Estado as funções da educação,
tradicionalmente controladas pela Igreja. Investiu contra e destruiu os antigos
privilégios de classe, amparou e incentivou o empresário.
O impacto da revolução foi tão profundo que, passados quase setenta anos
do seu triunfo, Alexis de Tocqueville, um importante pensador francês, referia-se
a ela da seguinte maneira: "A Revolução segue seu curso: à medida que vai
aparecendo a cabeça do monstro, descobre-se que, após ter destruído as
instituições políticas ela suprime as instituições civis e muda, em seguida, as
leis, os usos, os costumes e até a língua; após ter arruinado a estrutura do
governo, mexe nos fundamentos da sociedade e parece querer agredir até
Deus; quando esta mesma Revolução expande-se rapidamente por toda a parte
com procedimentos desconhecidos, novas táticas, máximas mortíferas, poder
espantoso que derruba as barreiras dos impérios, quebra coroas, esmaga povos
e - coisa estranha - chega ao mesmo tempo a ganhá-los para a sua causa; à
medida que todas estas coisas explodem, o ponto de vista muda. O que à
primeira vista parecia aos príncipes da Europa e aos estadistas um acidente
comum na vida dos povos, tornou-se um fato novo, tão contrário a tudo que
aconteceu antes no mundo e no entanto tão geral, tão monstruoso, tão
incompreensível que, ao apercebê-lo, o espírito fica como que perdido".
O espanto de Tocqueville diante da nova realidade inaugurada pela
revolução francesa seria compartilhado também por outros intelectuais do seu
tempo. Durkheim, por exemplo, um dos fundadores da sociologia, afirmou certa vez que a partir do momento em que "a tempestade revolucionária passou,
constituiu-se como que por encanto a noção de ciência social". O fato é que
pensadores franceses da época, como Saint-Simon, Comte. Le Play e alguns
outros, concentrarão suas reflexões sobre a natureza e as conseqüências da
revolução. Em seus trabalhos, utilizarão expressões como "anarquia",
"perturbação", "crise", "desordem", para julgar a nova realidade provocada pela
revolução. Nutriam em geral esses pensadores um certo rancor pela revolução,
principalmente por aquilo que eles designavam como "os seus falsos dogmas",
como o seu ideal de igualdade, de liberdade, e a importância conferida ao
indivíduo em face das instituições existentes.
A tarefa que esses pensadores se propõem é a de racionalizar a nova
ordem, encontrando soluções para o estado de "desorganização" então
existente. Mas para restabelecer a "ordem e a paz", pois é a esta missão que
esses pensadores se entregam, para encontrar um estado de equilíbrio na nova
sociedade, seria necessário, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos
sociais, instituindo portanto uma ciência da sociedade.
A verdade é que a burguesia, uma vez instalada no poder, se assusta com
a própria revolução. Uma das facções revolucionárias, por exemplo, os
jacobinos, estava disposta a aprofundá-la, radicalizando-a e levando-a até o fim,
situando-a além do projeto e dos interesses da burguesia. Para contornar a
propagação de novos surtos revolucionários, enquanto estratégia para
modificação das sociedades, seria necessário, de acordo com os interesses da
burguesia, controlar e neutralizar novos levantes revolucionários. Nesse sentido,
era de fundamental importância proceder a modificações substanciais em sua
teoria da sociedade.
A interpretação crítica e negadora da realidade, que constituiu um dos
traços marcantes do pensamento iluminista e alimentou o projeto revolucionário
da burguesia, deveria de agora em diante ser "superada" por uma outra que
conduzisse não mais à revolução, mas à "organização", ao "aperfeiçoamento"
da sociedade. Saint-Simon, de uma maneira muito explícita, afirmaria a este
respeito que "a filosofia do último século foi revolucionária; a do século XX deve
ser reorganizadora". A tarefa que os fundadores da sociologia assumem é,
portanto, a de estabilização da nova ordem. Comte também é muito claro quanto
a essa questão. Para ele, a nova teoria da sociedade, que ele denominava de "positiva", deveria ensinar os homens a aceitar a ordem existente, deixando de
lado, a sua negação.
A França, no início do século XIX, ia se tornando visivelmente uma
sociedade industrial, com uma introdução progressiva da maquinaria,
principalmente no setor têxtil. Mas o desenvolvimento acarretado por essa
industrialização causava aos operários franceses miséria e desemprego. Essa
situação logo encontraria resposta por parte da classe trabalhadora. Em 1816-
1817 e em 1825-1827, os operários destroem as máquinas em manifestações
de revolta. Com a industrialização da sociedade francesa, conduzida pelo
empresário capitalista, repetem-se determinadas situações sociais vividas pela
Inglaterra no início de, sua revolução industrial. Eram visíveis, a essa época, a
utilização intensiva do trabalho barato de mulheres e crianças, uma
desordenada migração do campo para a cidade, gerando problemas de
habitação, de higiene, aumento do alcoolismo e da prostituição, alta taxa de
mortalidade infantil etc.
A partir da terceira década do século XIX, intensificam-se na sociedade
francesa as crises econômicas e as lutas de classes. A contestação da ordem
capitalista, levada a cabo pela classe trabalhadora, passa a ser reprimida com
violência, como em 1848, quando a burguesia utiliza os aparatos do Estado, por
ela dominado, para sufocar as pressões populares. Cada vez mais ficava claro
para a burguesia e seus representantes intelectuais que a filosofia iluminista,
que passava a ser designada por eles como "metafísica", "atividade crítica
inconseqüente", não seria capaz de interromper aquilo que denominavam
estado de "desorganização", de "anarquia política" e criar uma ordem social
estável.
Determinados pensadores da época estavam imbuídos da crença de que
para introduzir uma "higiene" na sociedade, para "reorganizá-la", seria
necessário fundar uma nova ciência. Durkheim, ao discutir a formação da
sociologia na França do século XIX, refere-se a Saint-Simon da seguinte forma:
"O desmoronamento do antigo sistema social, ao instigar a reflexão à busca de
um remédio para os males de que a sociedade padecia, incitava-o por isso
mesmo a aplicar-se às coisas coletivas. Partindo da idéia de que a perturbação
que atingia as sociedades européias resultava do seu estado de desorganização
intelectual, ele entregou-se à tarefa de pôr termo a isto. Para refazer uma consciência nas sociedades, são estas que importa, antes de tudo, conhecer.
Ora, esta ciência das sociedades, a mais importante de todas, não existia; era
necessário, portanto, num interesse prático, fundá-la sem demora".
Como se percebe pela afirmação de Durkheim, esta ciência surge com
interesses práticos e não "como que por encanto", como certa vez afirmara.
Enquanto resposta intelectual à "crise social" de seu tempo, os primeiros
sociólogos irão revalorizar determinadas instituições que segundo eles
desempenham papéis fundamentais na integração e na coesão da vida social. A
jovem ciência assumia como tarefa intelectual repensar o problema da ordem
social, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a família, a
hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da
sociedade. Assim, por exemplo, Le Play (1806-1882) afirmaria que é a família e
não o indivíduo isolado que possuía significação para uma compreensão da
sociedade, pois era uma unidade fundamental para a experiência do indivíduo e
elemento importante para o conhecimento da sociedade. Ao realizar um vasto
estudo sobre as famílias de trabalhadores, insistia que estas, sob a
industrialização, haviam se tornado descontínuas, inseguras e instáveis. Diante
de tais fatos, propunha como solução para a restauração de seu papel de
"unidade social básica" a reafirmação da autoridade do "chefe de família",
evitando a igualdade jurídica de homens e mulheres, delimitando o papel da
mulher às funções exclusivas de mãe, esposa e filha.
Procedendo dessa forma, ou seja, tentando instaurar um estado de
equilíbrio numa sociedade cindida pelos conflitos de classe, esta sociologia
inicial revestiu-se de um indisfarçável conteúdo estabilizador, ligando-se aos
movimentos de reforma conservadora da sociedade.
Na concepção de um de seus fundadores, Comte, a sociologia deveria
orientar-se no sentido de conhecer e estabelecer aquilo que ele denominava leis
imutáveis da vida social, abstendo-se de qualquer consideração crítica,
eliminando também qualquer discussão sobre a realidade existente, deixando de
abordar, por exemplo, a questão da igualdade, da justiça, da liberdade. Vejamos
como ele a define e quais objetivos deveria ela perseguir, na sua concepção:
"Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo
dos fenômenos sociais, segundo o mesmo espírito com que são
considerados os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e objetivo de suas pesquisas. Os resultados de suas pesquisas tornam-se o
ponto de partida positivo dos trabalhos do homem de Estado, que só tem,
por assim dizer, como objetivo real descobrir e instituir as formas práticas
correspondentes a esses dados fundamentais, a fim de evitar ou pelo
menos mitigar, quanto possível, as crises mais ou menos graves que um
movimento espontâneo determina, quando não foi previsto. Numa
palavra, a ciência conduz à previdência, e a previdência permite regular a
ação".
Não deixa de ser sugestivo o termo "física social", utilizado por Comte para
referir-se à nova ciência, uma vez que ele expressa o desejo de construí-la a
partir dos modelos das ciências físico-naturais. A oficialização da sociologia foi
portanto em larga medida uma criação do positivismo, e uma vez assim
constituída procurará realizar a legitimação intelectual do novo regime.
Esta sociologia de inspiração positivista procurará construir uma teoria
social separada não apenas da filosofia negativa, mas também da economia
política como base para o conhecimento da realidade social. Separando a
filosofia e a economia política, isolando-as do estudo da sociedade, esta
sociologia procura criar um objeto autônomo, "o social", postulando uma
independência dos fenômenos sociais em face dos econômicos.
Não será esta sociologia, criada e moldada pelo espírito positivista, que
colocará em questão os fundamentos da sociedade capitalista, já então
plenamente configurada. Também não será nela que o proletariado encontrará a
sua expressão teórica e a orientação para suas lutas práticas. É no pensamento
socialista, em seus diferentes matizes, que o proletariado, esse rebento da
revolução industrial, buscará seu referencial teórico para levar adiante as suas
lutas na sociedade de classes. É neste contexto que a sociologia vincula-se ao
socialismo e a nova teoria crítica da sociedade passa a estar ao lado dos
interesses da classe trabalhadora.
Envolvendo-se desde o seu início nos debates entre as classes sociais, nas
disputas e nos antagonismos que ocorriam no interior da sociedade, a sociologia
sempre foi algo mais do que mera tentativa de reflexão sobre a moderna
sociedade. Suas explicações sempre contiveram intenções práticas, um desejo
de interferir no rumo desta civilização, tanto para manter como para alterar os
fundamentos da sociedade que a impulsionaram e a tornaram possível.

                                      CAPÍTULO SEGUNDO:A FORMAÇÃO

No final do século passado, o matemático francês Henri Poicaré referiu-se
à sociologia como ciência de muitos métodos e poucos resultados. Ao que tudo
indica, nos dias de hoje poucas pessoas colocam em dúvida os resultados
alcançados pela sociologia: As inúmeras pesquisas realizadas pelos sociólogos,
a presença da sociologia nas universidades, nas empresas, nos organismos
estatais, atestam a sua realidade. Ao lado desta crescente presença da
sociologia no nosso cotidiano, continua porém chamando a atenção daqueles
que se interessam por ela os freqüentes e acirrados debates que são travados
em seu interior sobre o seu objeto de estudo e os seus métodos de
investigação.
A falta de um entendimento comum por parte dos sociólogos sobre a sua
ciência possui, em boa medida, uma relação com a formação de uma sociedade
dividida pelos antagonismos de classe. A existência de interesses opostos na
sociedade capitalista penetrou e invadiu a formação da sociologia. As
alternativas históricas existentes nessa sociedade, seja a de sua conservação
ou de sua transformação radical, eram situações reais com que se deparavam
os pioneiros da sociologia. Este contexto histórico influenciou enormemente
suas visões a respeito de como deveria ser analisada a sociedade, refletindo-se
também no conteúdo político de seus trabalhos. Tal situação, evidentemente,
continua afetando os trabalhos dos sociólogos contemporâneos.
O caráter antagônico da sociedade capitalista, ao impedir um entendimento
comum por parte dos sociólogos em torno ao objeto e aos métodos de
investigação desta disciplina, deu margem ao nascimento de diferentes
tradições sociológicas ou distintas sociologias, como preferem afirmar alguns
sociólogos.
Não podemos perder de vista o fato de que a sociologia surgiu num
momento de grande expansão do capitalismo. Alguns sociólogos assumiram
uma atitude de otimismo diante da sociedade capitalista nascente, identificando
os valores e os interesses da classe dominante como representativas do
conjunto da sociedade. A perspectiva que os norteava era a de buscar o pleno
funcionamento de suas instituições econômicas e políticas. Os conflitos e as lutas em que se envolviam as classes sociais, constituíam para alguns deles
fenômenos passageiros, passíveis de serem superados.
Uma das tradições sociológicas, que se comprometeu com a defesa da
ordem instalada pelo capitalismo, encontrou no pensamento conservador uma
rica fonte de inspiração para formular seus principais conceitos explicativos da
realidade.
Os conservadores, que foram chamados de "profetas do passado",
construíram suas obras contra a herança dos filósofos iluministas. Não eram
intelectuais que justificavam a nova sociedade por suas realizações políticas ou
econômicas. Ao contrário, a inspiração do pensamento conservador era a
sociedade feudal, com sua estabilidade e acentuada hierarquia social. Não
estavam interessados em defender uma sociedade moldada a partir de
determinados princípios defendidos pelos filósofos iluministas, nem um
capitalismo que mais e mais se transformava, apresentando sua faceta industrial
e financeira. O fascínio que as sociedades da Idade Média exercia sobre eles
conferiu a esses pensadores e às suas obras um verdadeiro sabor medieval.
O ponto de partida dos conservadores foi o impacto da Revolução
Francesa, que julgavam um castigo de Deus à humanidade. Não cansavam de
responsabilizar os iluministas e suas idéias como um dos elementos
desencadeadores da Revolução de 1789. Consideravam as crenças iluministas
como aniquiladoras da propriedade, da autoridade, da religião e da própria vida.
Os conservadores eram defensores apaixonados das instituições religiosas,
monárquicas e aristocráticas que se encontravam em processo de
desmoronamento, tendo alguns deles, inclusive, interesses diretos na
preservação destas instituições.
Pensadores como Edmund Burke (1729-1797), Joseph de Maistre (1754-
1821), Louis de Bonald (1754-1840) e outros procuraram desmontar todo o
ideário dos filósofos do século dezoito, atacando suas concepções do homem,
da sociedade e da religião, posicionando-se abertamente contra as crenças
iluministas. A sociedade moderna, na visão conservadora, estava em franco
declínio. Não viam nenhum progresso numa sociedade cada vez mais
alicerçada no urbanismo, na indústria, na tecnologia, na ciência e no
igualitarismo. Lastimavam o enfraquecimento da família, da religião, da
corporação etc. Na verdade, julgavam eles, a época moderna era dominada pelo caos social, pela desorganização e pela anarquia. Não mediam esforços ao
culparem a Revolução Francesa por esta escalada do declínio da história
moderna. A Revolução de 1789 era, na visão dos "profetas do passado", o
último elo dos acontecimentos nefastos iniciados com o Renascimento, a
Reforma Protestante e a Era da Razão.
Ao fazer a crítica da modernidade, inaugurada por acontecimentos como a
economia industrial, o urbanismo, a Revolução Francesa, os conservadores
estavam tecendo uma nova teoria sobre a sociedade cujas atenções centravamse
no estudo de instituições sociais como a família, a religião, o grupo social, e a
contribuição delas para a manutenção da ordem social. Preocupados com a
ordem e a estabilidade, com a coesão social, enfatizariam a importância da
autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores morais para a conservação
da vida social.
As idéias dos conservadores constituíam um ponto de referência para os
pioneiros da sociologia, interessados na preservação da nova ordem econômica
e política que estava sendo implantada nas sociedades européias ao final do
século passado. Estes, no entanto, modificariam algumas das concepções dos
"profetas do passado", adaptando-as às novas circunstâncias históricas.
Estavam conscientes de que não seria possível voltar à velha sociedade feudal
e restaurar as suas instituições, como desejavam os conservadores. Alguns dos
pioneiros da sociologia, preocupados com a defesa da nova ordem social,
chegavam mesmo a considerar algumas idéias dos conservadores como
reacionárias, mas ficavam decididamente encantados com a devoção que eles
dedicavam à manutenção da ordem e admiravam seus estudos sobre esta
questão.
E entre os autores positivistas, de modo destacado Saint-Simon, Auguste
Comte e Emile Durkkheim, que as idéias dos conservadores exerceriam uma
grande influência. Alguns deles chegavam a afirmar que a "escola retrógrada",
por eles considerada imortal, seria sempre merecedora da admiração e da
gratidão dos positivistas. São estes autores que, de modo destacado, iniciarão o
trabalho de rever uma série de idéias dos conservadores, procurando dar a elas
uma nova roupagem, com o propósito de defender os interesses dominantes da
sociedade capitalista.
É comum encontrarmos a inclusão de Saint-Simon (1760-1825) entre os primeiros pensadores socialistas. O próprio Engels rendeu-lhe homenagem
reputando algumas de suas descobertas geniais, vendo nelas o germe de
futuras idéias socialistas. Mas, por outro lado, ele também é saudado como um
dos fundadores do positivismo. Durkheim costumava afirmar que o considerava
o iniciador do positivismo e o verdadeiro pai da sociologia, em vez de Comte,
que geralmente tem merecido esse destaque. Dono de uma cabeça fértil em
idéias e de um espírito irrequieto, Saint-Simon sofreu a influência de idéias
iluministas e revolucionárias, mas também foi seduzido pelo pensamento
conservador. Teve como um de seus mestres, ou melhor, como preceptor, o
famoso filósofo iluminista DAlambert, sendo sensível também às formulações de
Bonatd, um notório conservador. Vamos aqui, rapidamente, destacar mais o seu
lado positivista, portanto a sua dimensão conservadora.
Saint-Simon tem sido geralmente considerado o "mais eloqüente dos
profetas da burguesia", um grande entusiasta da sociedade industrial. A
sociedade francesa pós-revolucionária, no entanto, parecia-lhe "perturbada",
pois nela reinava, segundo ele, um clima de "desordem" e de "anarquia". Uma
vez que todas as relações sociais tinham se tornado instáveis, o problema a ser
enfrentado, em sua opinião, era o da restauração da ordem.
Ele percebia novas forças atuantes na sociedade, capazes de propiciar
uma nova coesão social. Em sua visão, a nova época era a do industrialismo,
que trazia consigo a possibilidade de satisfazer todas as necessidades humanas
e constituía a única fonte de riqueza e prosperidade. Acreditava também que o
progresso econômico acabaria com os conflitos sociais e traria segurança para
os homens. A função do pensamento social neste contexto deveria ser a de
orientar a indústria e a produção.
A união dos industriais com os homens de ciência, formando a elite da
sociedade e conduzindo seus rumos era a força capaz de trazer ordem e
harmonia à emergente sociedade industrial. A ciência, para ele, poderia
desempenhar a mesma função de conservação social que a religião tivera no
período feudal. Os cientistas, ao estabelecerem verdades que seriam aceitas
por todos os homens, ocupariam o papel que possuía o clero na sociedade
feudal, ao passo que os fabricantes, os comerciantes e os banqueiros
substituiriam os senhores feudais. Esta nova elite estabeleceria os objetivos da
sociedade, ocupando, para tanto, uma posição de mando frente aos trabalhadores.
O avanço que estava ocorrendo no conhecimento científico foi percebido
por ele, que notou, no entanto, uma grande lacuna nesta área do saber.
Tratava-se, exatamente, da inexistência da ciência da sociedade. Ela era vital,
em sua opinião, para o estabelecimento da nova ordem social. Esta deveria, em
suas investigações, utilizar os mesmos métodos das ciências naturais. A nova
ciência deveria descobrir as leis do progresso e do desenvolvimento social.
Mesmo tendo uma visão otimista da sociedade industrial, ele admitia a
existência de conflitos entre os possuidores e os não possuidores. No entanto,
acreditava que os primeiros tinham a possibilidade de atenuar este conflito
apelando a medidas repressivas ou elaborando novas normas que orientassem
a conduta dos indivíduos. Admitia que a segunda escolha era mais eficiente e
racional. Caberia, portanto, à ciência da sociedade descobrir essas novas
normas que pudessem guiar a conduta da classe trabalhadora, refreando seus
possíveis ímpetos revolucionários. Jamais ocultou sua crença de que as
melhorias das condições de vida dos trabalhadores deveriam ser iniciativa da
elite formada pelos industriais e cientistas.
Várias das idéias de Saint-Simon.seriam retomadas por Auguste Comte
(1798-1857), pensador menos original, embora mais sistemático que Saint-
Simon. Durante um certo período, Comte foi seu secretário particular, até que se
desentenderam intelectualmente. Vários historiadores do pensamento social têm
observado que Comte, em boa medida, deve suas principais idéias a Saint-
Simon. Ao contrário desse pensador, que possuía uma faceta progressista,
posteriormente incorporada ao pensamento socialista, Comte é um pensador
inteiramente conservador, um defensor sem ambigüidades da nova sociedade.
A motivação da obra de Comte repousa no estado de "anarquia" e de
"desordem" de sua época histórica. Segundo ele, as sociedades européias se
encontravam em um profundo estado de caos social. Em sua visão, as idéias
religiosas haviam há muito perdido sua força na conduta dos homens e não
seria a partir delas que se daria a reorganização da nova sociedade. Muito
menos das idéias dos iluministas. Comte era extremamente impiedoso no seu
ataque a esses pensadores, a quem chamava de "doutores em guilhotina",
vendo em suas idéias o "veneno da desintegração social". Para ele, a
propagação das idéias iluministas em plena sociedade industrial somente poderia levar à desunião entre os homens. Para haver coesão e equilíbrio na
sociedade seria necessário restabelecer a ordem nas idéias e nos
conhecimentos, criando um conjunto de crenças comuns a todos os Homens.
Convicto de que a reorganização da sociedade exigiria a elaboração de
uma nova maneira de conhecera realidade, Comte procurou estabelecer os
princípios que deveriam nortear os conhecimentos humanos. Seu ponto de
partida era a ciência e o avanço que ela vinha obtendo em todos os campos de
investigação. A filosofia, para ele, deixava de ser uma atividade independente,
com propósitos e finalidades específicas, para ser reduzida a uma mera
disciplina auxiliar da ciência, tendo por função refletir sobre os métodos e os
resultados alcançados por ela.
A verdadeira filosofia, no seu entender, deveria proceder diante da
realidade de forma "positiva". A escolha desta última palavra tinha a intenção de
diferenciar a filosofia por ele criada da do século dezoito, que era negativa, ou
seja, contestava as instituições sociais que ameaçavam a liberdade dos
homens. A sua filosofia positiva era, nesse sentido, uma clara reação às
tendências dos iluministas. O espírito positivo, em oposição à filosofia iluminista,
que em sua visão apenas criticava, não possuía caráter destrutivo, mas estava
exatamente preocupado em organizar a realidade.
Em seus trabalhos, sociologia e positivismo aparecem intimamente ligados,
uma vez que a criação desta ciência marcaria o triunfo final do positivismo no
pensamento humano. O advento da sociologia representava para Comte o
coroamento da evolução do conhecimento científico, já constituído em varias
áreas do saber. A matemática, a astronomia, a física, a química e a biologia
eram ciências que já se encontravam formadas, faltando, no entanto, fundar
uma "física social", ou seja, a sociologia. Ela deveria utilizar em suas
investigações os mesmos procedimentos das ciências naturais, tais como a
observação, a experimentação, a comparação etc.
O positivismo procurou oferecer uma orientação geral para a formação da
sociologia ao estabelecer que ela deveria basicamente proceder em suas
pesquisas com o mesmo estado de espírito que dirigia a astronomia ou a física
rumo a suas descobertas. A sociologia deveria, tal como as demais ciências,
dedicar-se à busca dos acontecimentos constantes e repetitivos da natureza.
Comte considerava como um dos pontos altos de sua sociologia a reconciliação entre a "ordem" e o "progresso", pregando a necessidade mútua
destes dois elementos para a nova sociedade. Para ele, o equívoco dos
conservadores ao desejarem a restauração do velho regime feudal era postular
a ordem em detrimento do progresso. Inversamente, argumentava, os
revolucionários preocupavam-se tão somente com o "progresso",
menosprezando a necessidade de ordem na sociedade. A sociologia positivista
considerava que a ordem existente era, sem dúvida alguma, o ponto de partida
para a construção da nova sociedade. Admitia Comte que algumas reformas
poderiam ser introduzidas na sociedade mudanças que seriam comandadas
pelos cientistas e industriais, de tal modo que o progresso constituiria uma
conseqüência suave e gradual da ordem.
Também para Durkheim (1858-1917) a questão da ordem social seria uma
preocupação constante. De forma sistemática, ocupou-se também com
estabelecer o objeto de estudo da sociologia, assim como indicar o seu método
de investigação. É através dele que a sociologia penetrou a Universidade,
conferindo a esta disciplina o reconhecimento acadêmico.
Sua obra foi elaborada num período de constantes crises econômicas, que
causavam desemprego e miséria entre os trabalhadores, ocasionando o
aguçamento das lutas de classes, com os operários passando a utilizar a greve
como instrumento de luta e fundando os seus sindicatos. Não obstante esta
situação de conflito, o início do século XX também é marcado por grandes
progressos no campo tecnológico, como a utilização do petróleo e da
eletricidade como fontes de energia, o que criava um certo clima de euforia e de
esperança em torno do progresso econômico.
Vivendo numa época em que as teorias socialistas ganhavam terreno,
Durkheim não podia desconhecê-las, tanto que as suas idéias, em certo sentido,
constituíam a tentativa de fornecer uma resposta às formulações socialistas.
Discordava das teorias socialistas, principalmente quanto à ênfase que elas
atribuíam aos fatos econômicos para diagnosticar a crise das sociedades
européias. Durkheim acreditava que a raiz dos problemas de seu tempo não era
de natureza econômica, mas sim uma certa fragilidade da moral da época em
orientar adequadamente o comportamento dos indivíduos. Com isto, procurava
destacar que os programas de mudança esboçados pelos socialistas, que
implicavam modificações na propriedade e na redistribuição da riqueza, ou seja, medidas acentuadamente econômicas, não contribuíam para solucionar os
problemas da época.
Para ele, seria de fundamental importância encontrar novas idéias morais
capazes de guiar a conduta dos indivíduos. Considerava que a ciência poderia,
através de suas investigações, encontrar soluções nesse sentido. Compartilhava
com Saint-Simon a crença de que os valores morais constituíam um dos
elementos eficazes para neutralizar as crises econômicas e políticas de sua
época histórica. Acreditava também que era a partir deles que se poderia criar
relações estáveis e duradouras entre os homens.
Possuía uma visão otimista da nascente sociedade industrial. Considerava
que a crescente divisão do trabalho que estava ocorrendo a todo vapor na
sociedade européia acarretava, ao invés de conflitos sociais, um sensível
aumento da solidariedade entre os homens. De acordo com ele, cada membro
da sociedade, tendo uma atividade profissional mais especializada, passava a
depender cada vez mais do outro. Julgava, assim, que o efeito mais importante
da divisão de trabalho não era o seu aspecto econômico, ou seja, o aumento da
produtividade, mas sim o fato de que ela tornava possível a união e a
solidariedade entre os homens.
Segundo Durkheim, a divisão do trabalho deveria em geral provocar uma
relação de cooperação e de solidariedade entre os homens. No entanto, como
as transformações sócio-econômicas ocorriam velozmente nas sociedades
européias, inexistia ainda, de acordo com ele, um novo e eficiente conjunto de
idéias morais que pudesse guiar o comportamento dos indivíduos. Tal fato
dificultava o "bom funcionamento" da sociedade. Esta situação fazia com que a
sociedade industrial mergulhasse em um estado de anomia, ou seja,
experimentasse uma ausência de regras claramente estabelecidas. Para
Durkheim, a anomia era uma demonstração contundente de que a sociedade
encontrava-se socialmente doente. As freqüentes ondas de suicídios na
nascente sociedade industrial foram analisadas por ele como um bom indício de
que a sociedade encontrava-se incapaz de exercer controle sobre o
comportamento de seus membros.
Preocupado em estabelecer um objeto de estudo e um método para a
sociologia, Durkheim dedicou-se a esta questão, salientando que nenhuma
ciência poderia se constituir sem uma área própria de investigação. A sociologia deveria tornar-se uma disciplina independente, pois existia um conjunto de
fenômenos na realidade que distinguia-se daqueles estudados por outras
ciências, não se confundindo seu objeto, por exemplo, com a Biologia ou a
psicologia. A sociologia deveria se ocupar, de acordo com ele, com os fatos
sociais que se apresentavam aos indivíduos como exteriores e coercitivos. O
que ele desejava salientar com isso é que um indivíduo, ao nascer, já encontra
pronta e constituída a sociedade. Assim, o direito, os costumes, as crenças
religiosas, o sistema financeiro foram criados não por ele, mas pelas gerações
passadas, sendo transmitidos às novas através do processo de educação.
As nossas maneiras de comportar, de sentir as coisas, de curtir a vida,
além de serem criadas e estabelecidas "pelos outros", ou seja, através das
gerações passadas, possuem a qualidade de serem coercitivas. Com isso,
Durkheim desejava assinalar o caráter impositivo dos fatos sociais, pois
segundo ele comportamo-nos segundo o figurino das regras socialmente
aprovadas.
Ao enfatizar ao longo de sua obra o caráter exterior e coercitivo dos fatos
sociais, Durkheim menosprezou a criatividade dos homens no processo
histórico. Estes surgem sempre, em sua sociologia, como seres passivos, jamais
como sujeitos capazes de negar e transformar a realidade histórica.
O positivismo durkheimiano acreditava que a sociedade poderia ser
analisada da mesma forma que os fenômenos da natureza. A partir dessa
suposição, recomendava que o sociólogo utilizasse em seus estudos os
mesmos procedimentos das ciências naturais. Costumava afirmar que, durante
as suas investigações, o sociólogo precisava se encontrar em um estado de
espírito semelhante ao dos físicos ou químicos.
Disposto a restabelecer a "saúde" da sociedade, insistia que seria
necessário criar novos hábitos e comportamentos no homem moderno, visando
ao "bom funcionamento" da sociedade. Era de fundamental importância, nesse
sentido, incentivar a moderação dos interesses econômicos, enfatizar a noção
de disciplina e de dever, assim como difundir o culto à sociedade, às suas leis e
à hierarquia existente.
A função da sociologia, nessa perspectiva, seria a de detectar e buscar
soluções para os "problemas sociais", restaurando a "normalidade social" e se
convertendo dessa forma numa técnica de controle social e de manutenção do poder vigente.
O seu pensamento marcou decisivamente a sociologia contemporânea,
principalmente as tendências que têm-se preocupado com a questão da
manutenção da ordem social. Sua influência no meio acadêmico francês foi
quase imediata, formando vários discípulos que continuaram a desenvolver as
suas preocupações. A sua influência fora do meio acadêmico francês começou
um pouco mais tarde, por volta de 1930, quando, na Inglaterra, dois
antropólogos, Malinowski e RadcliffeBrown, armaram a partir de seus trabalhos
os alicerces do método de investigação funcionalista (busca de explicação das
instituições sociais e culturais em termos da contribuição que estas fornecem
para a manutenção da estrutura social). No Estados Unidos, a partir daquela
data, as suas idéias começaram a ganhar terreno no meio universitário,
exercendo grande fascínio em inúmeros pesquisadores. No entanto, foram dois
sociólogos americanos, Mertom e Parsons, em boa medida os responsáveis
pelo desenvolvimento do funcionalismo moderno e pela integração da
contribuição de Durkheim ao pensamento sociológico contemporâneo,
destacando a sua contribuição ao progresso teórico desta disciplina.

Se a preocupação básica do positivismo foi com a manutenção e a
preservação da ordem capitalista, é o pensamento socialista que procurará
realizar uma crítica radical a esse tipo histórico de sociedade, colocando em
evidência os seus antagonismos e contradições. É a partir de sua perspectiva
teórica que a sociedade capitalista passa a ser analisada como um
acontecimento transitório. O aparecimento de uma classe revolucionária na
sociedade - o proletariado - cria as condições para o surgimento de uma nova
teoria crítica da sociedade, que assume como tarefa teórica a explicação crítica
da sociedade e como objetivo final a sua superação.
A formação e o desenvolvimento do conhecimento sociológico crítico e
negador da sociedade capitalista sem dúvida liga-se à tradição do pensamento
socialista, que encontra em Marx (1818-1883) e Engels (1820-1903) a sua
elaboração mais expressiva. Estes pensadores não estavam preocupados em
fundar a sociologia como disciplina específica. A rigor, não encontramos neles a intenção de estabelecer fronteiras rígidas entre os diferentes campos do saber,
tão ao gosto dos "especialistas" de nossos dias. Em suas obras, disciplinas que
hoje chamamos de antropologia, ciência política, economia, sociologia, estão
profundamente interligadas, procurando oferecer uma explicação da sociedade
como um todo, colocando em evidência as suas dimensões globais. Grosso
modo, seus trabalhos não foram elaborados nos bancos das universidades, mas
com bastante freqüência, no calor das lutas políticas.
A formação teórica do socialismo marxista constitui uma complexa
operação intelectual, na qual são assimiladas de maneira crítica as três
principais correntes do pensamento europeu do século passado, ou seja, o
socialismo, a dialética e a economia política (Para maiores informações sobre a
primeira corrente ver nesta coleção "O que é socialismo?").
A persistência na nascente sociedade industrial de relações de exploração
entre as classes sociais, gerando uma situação de miséria e de opressão,
desencadeou levantes revolucionários por parte das classes exploradas.
Paralelamente aos sucessivos movimentos revolucionários que iam surgindo
nos primórdios do século XIX na Europa Ocidental, aparecia também uma nova
maneira de conceber a sociedade, que reivindicava a igualdade entre todos os
cidadãos, não só do ponto de vista político, mas também quanto às condições
sociais de vida. A questão que vários pensadores colocavam já não dizia
respeito à atenuação dos privilégios de algumas classes em relação a outras,
mas à própria eliminação dessas diferenças.
O socialismo pré-marxista, também denominado "socialismo utópico",
constituía portanto uma clara reação à nova realidade implantada pelo
capitalismo, principalmente quanto às suas relações de exploração. Marx e
Engels, ao tomarem contato com a literatura socialista da época, assinalaram as
brilhantes idéias de seus antecessores. No entanto, não deixaram de elaborar
algumas críticas a este socialismo, a fim de dar-lhe maior consistência teórica e
efetividade prática.
Geralmente, quando faziam o balanço crítico do socialismo anterior às suas
formulações, concentravam suas atenções em Saint-Simon, Owen e Fourier.
Salientando sempre que possível as idéias geniais destes pensadores,
procuravam, no entanto, apontar as suas limitações. Assinalavam que as
lacunas existentes neste tipo de socialismo possuíam uma relação com o estágio de desenvolvimento do capitalismo da época, uma vez que as
contradições entre burguesia e proletariado não se encontravam ainda
plenamente amadurecidas.
Para eles, os socialistas utópicos elaboraram uma crítica à sociedade
burguesa mas deixaram de apresentar os meios capazes de promover
transformações radicais nesta sociedade. Isso se devia, na avaliação de Marx e
Engels, ao caráter profundamente apolítico desse socialismo. Os "utópicos"
atuavam como representantes dos interesses da humanidade, não
reconhecendo em nenhuma classe social o instrumento para a concretização de
suas idéias. Acreditavam eles que se o socialismo pretendesse ser mais do que
mero desabafo crítico ou sonho utópico, seria necessário empreender uma
análise histórica da sociedade capitalista, colocando às claras suas leis de
funcionamento e de transformação e destacando ao mesmo tempo os agentes
históricos capazes de transformá-la.
A filosofia alemã da época de Marx encontrara em Hegel uma de suas mais
expressivas figuras. Como se sabe, a dialética ocupava posição de destaque em
seu sistema filosófico (para maiores informações sobre este tema, ver, nesta
coleção, "O que é dialética?"). Ao tomarem contato com a dialética hegeliana,
eles ressaltaram o seu caráter revolucionário, uma vez que o método de análise
de Hegel sugeria que tudo o que existia, devido às suas contradições, tendia a
extinguir-se. A crítica que eles faziam à dialética hegeliana se dirigia ao seu
caráter idealista. O idealismo de Hegel postulava que o pensamento ou o
espírito criava a realidade. Para ele, as idéias possuíam independência diante
dos objetos da realidade, acreditando que os fenômenos existentes eram
projeções do pensamento.
Ao constatar o caráter idealista da dialética hegeliana, procuraram "corrigila",
recorrendo para tanto ao materialismo filosófico de seu tempo. Mas para
eles o materialismo então existente também apresentava falhas, pois era
essencialmente mecanicista, isto é, concebia os fenômenos da realidade como
permanentes e invariáveis. Segundo eles, este materialismo estava em
descompasso com o progresso das ciências naturais, que já haviam colocado
em relevo o funcionamento dinâmico dos fenômenos investigados,
desqualificando uma interpretação que analisava a natureza como coisa
invariável e eterna. Paralelamente ao avanço das pesquisas sobre o caráter dinâmico da natureza, os freqüentes conflitos de classes que ocorriam nos
países capitalistas mais avançados da época levavam Marx e Engels a destacar
que as sociedades humanas também encontravam-se em contínua
transformação, e que o motor da história eram os conflitos e as oposições entre
as classes sociais.
A aplicação do materialismo dialético aos fenômenos sociais teve o mérito
de fundar uma teoria científica de inegável alcance explicativo: o materialismo
histórico. Eles haviam chegado à conclusão de que seria necessário situar o
estudo da sociedade a partir de sua base material. Tal constatação implicava
que a investigação de qualquer fenômeno social deveria partir da estrutura
econômica da sociedade, que a cada época constituía a verdadeira base da
história humana.
A partir do momento em que constataram serem os fatos econômicos a
base sobre a qual se apoiavam os outros níveis da realidade, como a religião, a
arte e a política, e que a análise da base econômica da sociedade deveria ser
orientada pela economia política, é que ocorre o encontro deles com os
economistas da Escola Clássica, como Adam Smith e Ricardo.
Uma das principais críticas que dirigiam aos economistas clássicos dizia
respeito ao fato destes suporem que a produção dos bens materiais da
sociedade era obra de homens isolados, que perseguiam egoisticamente seus
interesses particulares. De fato, assinalavam Marx e Engels, na sociedade
capitalista o interesse econômico individual fora tomado como um verdadeiro
objetivo social, sendo voz corrente nessa sociedade que a melhor maneira de
garantir a felicidade de todos seria os indivíduos se entregarem à realização de
seus negócios particulares. No entanto, admitir que a produção da sociedade
fosse realizada por indivíduos isolados uns dos outros, como imaginava a escola
clássica, não passava, segundo eles, de uma grande ficção.
Argumentando contra essa concepção extremamente individualista,
procuravam assinalar que o homem era um animal essencialmente social. A
observação histórica da vida social demonstrava que os homens se achavam
inseridos em agrupamentos que, dependendo do período histórico, poderia ser a
tribo, diferentes formas de comunidades ou a família.
A teoria social que surgiu da inspiração marxista não se limitou a ligar
política, filosofia e economia. Ela deu um passo a mais, ao estabelecer uma ligação entre teoria e prática, ciência e interesse de classe. O problema da
verdade não era para eles uma simples questão teórica, distante da realidade,
uma vez que é no terreno da prática que se deve demonstrar a verdade da
teoria. O conhecimento da realidade social deve se converter em um
instrumento político, capaz de orientar os grupos e as classes sociais para a
transformação da sociedade.
A função da sociologia, nessa perspectiva, não era a de solucionar os
"problemas sociais", com o propósito de restabelecer o "bom funcionamento da
sociedade", como pensaram os positivistas. Longe disso, ela deveria contribuir
para a realização de mudanças radicais na sociedade. Sem dúvida, foi o
socialismo, principalmente o marxista, que despertou a vocação crítica da
sociologia, unindo explicação e alteração da sociedade, e ligando-a aos
movimentos de transformação da ordem existente.
Ao contrário do positivismo, que procurou elaborar uma ciência social
supostamente "neutra" e "imparcial", Marx e vários de seus seguidores deixaram
claro a íntima relação entre o conhecimento por eles produzido e os interesses
da classe revolucionária existente na sociedade capitalista o proletariado.
Observava Marx, a este respeito, que assim como os economistas clássicos
eram os porta-vozes dos interesses da burguesia, os socialistas e os comunistas
constituíam, por sua vez, os representantes da classe operária.
Vimos anteriormente que a sociologia positivista preocupou-se com os
problemas da manutenção da ordem existente, concentrando basicamente sua
atenção na estabilidade social. Como conseqüência desse enfoque, as
situações de conflito existentes na nascente sociedade industrial foram em larga
medida omitidas por esta vertente sociológica. Comprometido com a
transformação revolucionária da sociedade, o pensamento marxista procurou
tomar as contradições do capitalismo como um de seus focos centrais. Para
Marx, assim como para a maioria dos marxistas, a luta de classes, e não a
"harmonia" social, constituía a realidade concreta da sociedade capitalista. Ao
contrário da sociologia positivista, que via na crescente divisão do trabalho na
sociedade moderna uma fonte de solidariedade entre os homens, Marx a
apontava como uma das formas pelas quais se realizavam as relações de
exploração, antagonismo e alienação.
As contradições que brotavam no capitalismo e que o caracterizavam, derivavam grosso modo do antagonismo entre o proletariado e a burguesia. Os
trabalhadores encontravam-se completamente expropriados dos instrumentos
de trabalho, confiscados pelos capitalistas. Estavam submetidos a uma
dominação econômica, uma vez que se encontravam excluídos da posse dos
meios de trabalho. A dominação estendia-se ao campo político, na medida em
que a burguesia utilizava o Estado e seus aparelhos repressivos, como a polícia
e o exército, para impor os seus interesses ao conjunto da sociedade. A
dominação burguesa estendia-se também ao plano cultural, pois ao dominar os
meios de comunicação, difundia seus valores e concepções às classes
dominadas.
Contrariamente à sociologia positivista, que concebia a sociedade como um
fenômeno "mais importante" que os indivíduos que a integram, submetendo-o e
dominando-o, a sociedade, nessa perspectiva era concebida como obra e
atividade do próprio homem. São os indivíduos que, vivendo e trabalhando, a
modificam. Mas, acrescentavam eles, os indivíduos não a modificam ao seu belprazer,
mas a partir de certas condições históricas existentes.
A sociologia encontrou na teoria social elaborada por Marx e Engels um
rico legado de temas para posteriores pesquisas.
Forneceram uma importante contribuição para a análise da ideologia, para
a compreensão das relações entre as classes sociais, para o entendimento da
natureza e das funções do Estado, para a questão da alienação etc. De
considerável valor, deve ser destacado o legado que deixaram às ciências
sociais: a aplicação do materialismo dialético ao estudo dos fenômenos sociais.
A sociologia encontrou também, nessa vertente de pensamento, inspiração para
se tornar um empreendimento crítico e militante, desmistificador da civilização
burguesa, e também um compromisso com a construção de uma ordem social
na qual fossem eliminadas as relações da exploração entre as classes sociais.

A intenção de conferir à sociologia uma reputação científica encontra na
figura de Max Weber (1864-1920) um marco de referência. Durante toda a sua
vida, insistiu em estabelecer uma clara distinção entre o conhecimento científico,
fruto de cuidadosa investigação, e os julgamentos de valor sobre a realidade.

Com isso, desejava assinalar que um cientista não tinha o direito de possuir, a
partir de sua profissão, preferências políticas e ideológicas. No entanto, julgava
ele, sendo todo cientista também um cidadão, poderia ele assumir posições
apaixonadas em face dos problemas econômicos e políticos, mas jamais deveria
defendê-los a partir de sua atividade profissional.
A busca de uma neutralidade científica levou Weber a estabelecer uma
rigorosa fronteira entre o cientista, homem do saber, das análises frias e
penetrantes, e o político, homem de ação e de decisão comprometido com as
questões práticas da vida. O que a ciência tem a oferecer a esse homem de
ação, segundo Weber, é um entendimento claro de sua conduta, das
motivações e das conseqüências de seus atos.
Essa posição de Weber, que tantas discussões tem provocado entre os
cientistas sociais, constitui, ao isolar a sociologia dos movimentos
revolucionários, um dos momentos decisivos da profissionalização dessa
disciplina. A idéia de uma ciência social neutra seria um argumento útil e
fascinante para aqueles que viviam e iriam viver da sociologia como profissão.
Ela abria a possibilidade de conceber a sociologia como um conjunto de
técnicas neutras que poderiam ser oferecidas a qualquer comprador público ou
privado. Vários estudiosos da formação da sociologia têm assinalado, no
entanto, que a neutralidade defendida por Weber foi um recurso utilizado por ele
na luta pela liberdade intelectual, uma forma de manter a autonomia da
sociologia em face da burocracia e do Estado alemão da época.
A produção da vasta obra de Weber ocorreu num período de grande surto
de industrialização e crescimento econômico, levado a cabo por Bismarck e
continuado por Guilherme II. Tratava-se de uma industrialização tardia,
comparada com a industrialização da Inglaterra e da França. O capitalismo
industrial alemão não nasceu de uma ruptura radical com as forças feudais
tradicionais, tal como se verifica na sociedade francesa. O arranque econômico
da Alemanha dessa época foi realizado com base em um compromisso entre os
interesses dos latifundiários prussianos - os Junkers - e os empresários
industriais do Oeste Alemão. A classe trabalhadora, constituída por mais da
metade da população, estava submetida a uma rígida disciplina nas fábricas, a
prolongadas jornadas de trabalho, o que a levava a desencadear, de forma
organizada, uma luta por seus direitos políticos e sociais.

A debilidade da burguesia alemã da época para controlar o poder político,
mesmo dominando a vida econômica, abriu um formidável espaço para a
burocracia enfeixar em suas mãos a direção do Estado. Esta burocracia, que
geralmente recrutava seus membros na nobreza, passava a impor a toda a
sociedade suas opções políticas, exercendo um verdadeiro despotismo
burocrático. É nesse contexto de impotência política da burguesia que Weber
observou, certa vez, que o que o preocupava não era a ditadura do proletariado,
mas sim a "ditadura do funcionário", numa clara alusão ao poder conferido ao
funcionário prussiano.
O surto de crescimento econômico que vivia a sociedade alemã desta
época teria repercussões em sua vida acadêmica. A universidade também
enriqueceria e o professor pequeno-burguês, atormentado com problemas de
subsistência, deu lugar ao docente de classe alta ou média, com tempo para
pesquisas e sem fortes pressões para publicá-las.
A formação da sociologia desenvolvida por Weber é influenciada
enormemente pelo contexto intelectual alemão de sua época. Incorporou em
seus trabalhos algumas idéias de Kant, como a de que todo ser humano é
dotado de capacidade e vontade para assumir uma posição consciente diante
do mundo. Compartilhava com Nietzche uma visão pessimista e melancólica dos
tempos modernos. Com Sombart possuía a preocupação de desvendar as
origens do capitalismo. Em Heidelberg, em cuja universidade foi catedrático
entre os anos de 1906 e 1910, entrou em contato com Troeltsch, estudioso da
religião, que já havia evidenciado a ligação entre a teologia calvinista e a moral
capitalista. Durante o período em que permaneceu naquela cidade, travou
relações com figuras destacadas no meio acadêmico, como Toennies,
Windelband, Simmel, Georg Lukács e vários outros, alguns dos quais
frequentavam a sua casa.
Weber receberia também forte influência do pensamento marxista, que a
essa época já havia penetrado o mundo político e universitário. Boa parte de
suas obras foi realizada para testar o acerto da concepção marxista,
principalmente no que dizia respeito à relação entre a economia e as outras
esferas da vida social. Suas inúmeras pesquisas indicavam, até certo ponto, em
sua visão, o acerto das relações estabelecidas por Marx entre economia, política
e cultura. Mas para ele não possuía fundamento admitir o princípio de que a economia dominasse as demais esferas da realidade social. Para ele, só a
realização de uma pesquisa detalhada sobre um determinado problema poderia
definir que dimensão da realidade condiciona as demais.
A sociologia por ele desenvolvida considerava o indivíduo e a sua ação
como ponto chave da investigação. Com isso, ele queria salientar que o
verdadeiro ponto de partida da sociologia era a compreensão da ação dos
indivíduos e não a análise das "instituições sociais" ou do "grupo social", tão
enfatizadas pelo pensamento conservador. Com essa posição, não tinha a
intenção de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais, como o
Estado, a empresa capitalista, a sociedade anônima, mas tão somente a de
ressaltar a necessidade de compreender as intenções e motivações dos
indivíduos que vivenciam estas situações sociais.
A sua insistência em compreender as motivações das ações humanas
levou-o a rejeitar a proposta do positivismo de transferir para a sociologia a
metodologia de investigação utilizada pelas ciências naturais. Não havia, para
ele, fundamento para esta proposta, uma vez que o sociólogo não trabalha
sobre uma matéria inerte, como acontece com os cientistas naturais.
A contrário do positivismo, que dava maior ênfase aos fatos, à realidade
empírica, transformando geralmente o pesquisador num mero registrador de
informações, a metodologia de Weber atribuía-lhe um papel ativo na elaboração
do conhecimento.
A obra de Weber representou uma inegável contribuição à pesquisa
sociológica, abrangendo os mais variados temas, como o direito, a economia, a
história, a religião, a política, a arte, de modo destacado a música. Seus
trabalhos sobre a burocracia tornaram-no um dos grandes analistas deste
fenômeno (ver, nesta coleção, "O que é Burocracia?"). Foi um dos precursores
da pesquisa empírica na sociologia, efetuando investigações sobre os
trabalhadores rurais alemães. A sua importante reflexão sobre a metodologia a
ser utilizada nas ciências sociais foi elaborada a partir de sua intensa atividade
de pesquisa.
A análise da religião ocupou lugar central nas preocupações e nos
trabalhos de Weber. Ao estudar os fenômenos da vida religiosa, desejava
compreender a sua influência sobre a conduta econômica dos indivíduos. Com
esse propósito, realizou investigações sobre as grandes religiões da Índia, da China etc. O seu trabalho "A ética protestante e o espírito do capitalismo",
publicado em 1905, ficaria particularmente famoso nessa área de estudo. Tinha
ele a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta
econômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante,
especialmente a calvinista, na promoção do moderno sistema econômico.
Weber reconhecia que o desenvolvimento do capitalismo devia-se em grande
medida à acumulação de capital a partir do final da Idade Média. Mas, para ele,
o capitalismo era também obra de ousados empresários que possuíam uma
nova mentalidade diante da vida econômica, uma nova forma de conduta
orientada por princípios religiosos. Em sua visão, vários pioneiros do capitalismo
pertenciam a diversas seitas puritanas e em função disso levavam uma vida
pessoal e familiar bastante rígida. Suas convicções religiosas os levavam a
considerar o êxito econômico como sintoma de bom indício da benção de Deus.
Como estes indivíduos não usufruíam seus lucros, estes eram avidamente
acumulados e reinvestidos em suas atividades.
Este seu trabalho jamais teve a intenção de afirmar, como interpretaram
erroneamente alguns de seus críticos, que a causa explicativa do capitalismo
era a ética protestante, ou que os fenômenos culturais explicariam a vida
econômica. Sua pesquisa apenas procurou assinalar que uma das causas do
capitalismo, ao lado de outras, como os fatores políticos e tecnológicos, foi a
ética de algumas seitas protestantes.
Vivendo em uma nação retardatária quanto ao desenvolvimento capitalista,
Weber procurou conhecer a fundo a essência do capitalismo moderno. Ao
contrário de Marx, não considerava o capitalismo um sistema injusto, irracional e
anárquico. Para ele, as instituições produzidas pelo capitalismo, como a grande
empresa, constituíam clara demonstração de uma organização racional que
desenvolvia suas atividades dentro de um padrão de precisão e eficiência.
Exaltou em diversas oportunidades a formação histórica das sociedades inglesa
e norte-americana, ressaltando a figura do empresário, considerado às vezes
um verdadeiro revolucionário. De certa forma, o seu elogio ao caráter
antitradicional do capitalismo inglês, especialmente do norte-americano, era a
forma utilizada por ele para atacar os aspectos retrógrados da sociedade alemã,
principalmente os latifundiários prussianos.
O capitalismo lhe parecia a expressão da modernização e uma eloqüente forma de racionalização do homem ocidental. No entanto, não manifestava
grande entusiasmo pelas realizações da civilização ocidental. A crescente
racionalização da vida no Ocidente, abarcando campos como a música, o direito
e a economia, implicava, em sua visão, um alto custo para o homem moderno.
Esta escalada da razão, a sua utilização abusiva, levava a uma excessiva
especialização, a um mundo cada vez mais intelectualizado e artificial, que
abandonara para sempre os aspectos mágicos e intuitivos do pensamento e da
existência. Suas análises o convenceram da inevitabilidade desse processo de
racionalização. Não via nenhum atrativo no movimento socialista, chegando
mesmo a considerar que o Estado socialista acentuaria os aspectos negativos
da racionalização e burocratização da vida contemporânea. A sua visão
sociológica dos tempos modernos desemboca numa apreciação melancólica e
pessimista, capitulando de forma resignada diante da realidade social.
A obra de Weber, assim como a de Marx, Durkheim, Comte, Tocqueville,
Le Play, Toennies, Spencer etc, constitui um momento decisivo na formação da
sociologia, estruturando de certa forma as bases do pensamento sociológico. E
no período que vai de 1830 às primeiras décadas do nosso século que ocorre a
formação dos principais métodos e conceitos de investigação da sociologia.
Em boa medida, os clássicos da sociologia, independentemente de suas
filiações ideológicas, procuraram explicar as grandes transformações por que
passava a sociedade européia, principalmente as provocadas peta formação e
desenvolvimento do capitalismo. Seus trabalhos forneceram preciosas
informações sobre as condições da vida humana, sobre o problema do equilíbrio
e da mudança social, sobre os mecanismos de dominação, sobre a
burocratização e a alienação da época moderna. Geralmente, estes estudos
clássicos, ao examinarem problemas históricos de seu tempo, forneceram uma
imagem do conjunto da sociedade da época. Suas análises também
estabeleceram, via de regra, uma rica relação entre as situações históricas e os
homens que as vivenciavam, propiciando assim uma importante contribuição
para a compreensão da vinculação entre a biografia dos homens e os processos
históricos.

                                 CAPÍTULO TERCEIRO:O DESENVOLVIMENTO

Se o contexto histórico do surgimento e da formação da sociologia coincidiu
com um momento de grande expansão do capitalismo, infundindo otimismo em
diversos sociólogos com relação à civilização capitalista, os acontecimentos
históricos que permearam o seu desenvolvimento tornaram no mínimo
problemáticas as esperanças de democratização que vários sociólogos nutriam
com relação ao capitalismo. O desenvolvimento desta ciência tem como pano de
fundo a existência de uma burguesia que se distanciara de seu projeto de
igualdade e fraternidade, e que, crescentemente, se comportava no plano
político de forma menos liberal e mais conservadora, utilizando intensamente os
seus aparatos repressivos e ideológicos para assegurar a sua dominação.
O aparecimento das grandes empresas, monopolizando produtos e
mercados, a eclosão de guerras entre as grandes potências mundiais, a
intensificação da organização política do movimento operário e a realização de
revoluções socialistas em diversos países eram realidades históricas que
abalavam as crenças na perfeição da civilização capitalista. Estes mesmos fatos
evidenciavam também o caráter transitório e passageiro da própria sociedade
moldada pela burguesia.
A profunda crise em que mergulhou a civilização capitalista em nosso
tempo não poderia deixar de provocar sensíveis repercussões no pensamento
sociológico contemporâneo. O desmoronamento da civilização capitalista,
levado a cabo pelos diversos movimentos revolucionários e pela alternativa
socialista fez com que o conhecimento científico fosse submetido aos interesses
da ordem estabelecida. As ciências sociais, de modo geral, passaram a ser
utilizadas para produzir um conhecimento útil e necessário à dominação vigente.
A antropologia foi largamente utilizada para facilitar a administração de
populações colonizadas; a ciência econômica e a ciência política forneceram
com bastante freqüência seus conhecimentos para a elaboração de estratégias
de expansão econômica e militar das grandes potências capitalistas.
A sociologia também, em boa medida, passou a ser empregada como
técnica de manutenção das relações dominantes. As pesquisas de inúmeros
sociólogos foram incorporadas à cultura e à prática das grandes empresas, do à luta cotidiana pela preservação das
estruturas econômicas, políticas e culturais do capitalismo moderno. O sociólogo
de nosso tempo passou a desenvolver o seu trabalho, via de regra, em
complexas organizações privadas ou estatais que financiam suas atividades e
estabelecem os objetivos e as finalidades da produção do conhecimento
sociológico. Envolvido nas malhas e nos objetivos que sustentam suas
atividades, tornou-se para ele extremamente difícil produzir um conhecimento
que possua uma autonomia crítica e uma criatividade intelectual.
Evidentemente, algumas tendências críticas da sociologia, principalmente
as que receberam a influência do pensamento socialista, continuaram a orientar
os objetivos e as pesquisas de diversos sociólogos. No entanto, esta sociologia
de inspiração crítica foi, em grande escala, ignorada no meio acadêmico e
marginalizada pelos institutos de pesquisa. Em geral, o apoio e o incentivo
institucional em nossa época têm sido dados a sociólogos e a um tipo de
sociologia que estão a serviço dos mecanismos de integração social e de
reprodução das relações existentes.
Na verdade, a absorção do sociólogo moderno na luta pela manutenção
das relações de dominação - o que acarretou a burocratização e a domesticação
do seu trabalho - foi um acontecimento relativamente recente, que pode ser
datado a partir da Segunda Guerra Mundial. Durante as primeiras décadas de
nosso século, algumas ciências sociais mais diretamente ligadas aos problemas
práticos da sociedade capitalista, como o direito, a economia e a contabilidade,
foram mais utilizadas do que outras como instrumentos para encontrar soluções
para problemas concretos de funcionamento da ordem estabelecida. Tal fato
permitiu que diversos sociólogos desenvolvessem no interior das universidades
um conhecimento que não correspondia tão prontamente às exigências práticas
de conservação da dominação burguesa.
Diga-se de passagem que nas três primeiras décadas deste século,
embora a burguesia já mostrasse sem disfarces a sua faceta conservadora e
belicista, defrontando-se com um movimento operário organizado, e
testemunhasse também um acontecimento como a instalação do poder soviético
na Rússia, conseguia, não obstante, controlar até certo ponto as ameaças dos
movimentos e dos grupos revolucionários. Além disso, deve-se mencionar que a
existência da monopolização das empresas e dos capitais daquelas décadas, embora consideráveis, evidentemente eram menos acentuadas do que são em
nossos dias. Dessa forma, a burocratização do trabalho intelectual não era ainda
uma realidade viva e concreta que aprisionava e inibia a imaginação dos
sociólogos.
Durante aquele período, a sociologia conheceu uma de suas fases mais
ricas em termos de pesquisa. Foi o momento em que a pesquisa de campo
firmou-se nesta disciplina, propiciando o levantamento de informações originais
para a reflexão. Permaneceram, durante este período, no trabalho de diversos
pesquisadores alguns temas de investigação que preocuparam os estudiosos
clássicos, como a formação histórica do capitalismo, a questão da divisão do
trabalho e dos mecanismos sociais que possibilitam o funcionamento da ordem
social.
Na França, o pensamento de Durkheim constituiu considerável fonte de
inspiração para a realização de numerosas pesquisas. Seus seguidores
realizaram, a partir dos pressupostos do "fundador da escola sociológica
francesa", ricas análises sobre diversos aspectos da vida social. Marcel Mãuss,
por exemplo, efetuaria o seu famoso trabalho, "O ensaio sobre o dom",
procurando demonstrar que nas chamadas sociedades primitivas a troca de
produtos significava com frequência mais uma permuta de presentes do que
uma mera e simples transação econômica. Dessa forma, a troca primitiva
possuía, segundo ele, um significado moral e religioso. Esta preocupação de
investigar os aspectos sociais da vida dos chamados povos primitivos mereceria
também a atenção de Levy Bruhl, por exemplo, que procurou desvendar o
conteúdo da mentalidade destes povos.
Outro de seus discípulos, Maurice Halbwachs, retomou a linha de estudos
do suicídio como fato social, procurando revisar e precisar algumas das
hipóteses formuladas inicialmente por Durkheim. Realizou também este
pensador um interessante trabalho sobre a importância dos contextos sociais
para os indivíduos, focalizando a questão da memória social, e procurando
evidenciar que, sem os diversos grupos que compõem a sociedade, como a
família e o grupo religioso, o indivíduo não seria capaz de reconstituir o seu
passado.
Na Alemanha, foram efetuados no período em foco importantes estudos,
principalmente quanto à reconstrução de fatos históricos. Vimos no capítulo anterior a preocupação e o interesse de Max Weber pela investigação da origem
e da natureza do capitalismo moderno. Os trabalhos de Sombart foram
realizados também com o propósito de elaborar uma exposição sistemática do
capitalismo moderno. Deve-se mencionar também os trabalhos de historiadores
do vulto de um Marc Bloch e de um Henri Pirenne.
Datam também dessa época os esforços de Max Scheller e de Karl
Mannhein para desenvolver o que chamavam de uma "sociologia do saber". O
trabalho de Mannheim, "Ideologia e Utopia", publicado em 1929, constituiu uma
exposição sistemática das origens sociais do conhecimento, procurando
estabelecer algumas relações entre as diferentes ideologias e os contextos
sóciohistóricos em que elas foram elaboradas. A obra de Mannheim, além de
fornecer preciosas correlações entre os modos de pensamento e as suas
origens sociais, procurou transformar a sociologia numa técnica de controle
social. Ele considerava que vários problemas políticos e econômicos do seu
tempo poderiam ser enfrentados a partir do "planejamento social". A sociologia,
em sua visão, poderia oferecer um conhecimento que possibilitasse uma
intervenção racional nos problemas da sua época.
Durante esse período, vários estudiosos buscaram formular e classificar os
diferentes tipos de relações sociais que ocorrem em todas as sociedades,
independente do tempo e lugar. Os estudos de Pareto sobre a ação humana, de
Von Wiese sobre os processos básicos da vida social, os trabalhos de Roos
sobre os mecanismos e as variedades do controle social constituem exemplos
ilustrativos desta tradição de pesquisa. Estes trabalhos proporcionaram a
elaboração de vários conceitos fundamentais da sociologia.
As investigações de campo, fartamente realizadas nos Estados Unidos
depois da Primeira Guerra Mundial, desenvolvidas principalmente pela
Universidade de Chicago, possibilitaram um grande avanço no levantamento de
dados empíricos. Não seria exagero afirmar que até a década de 1930 a história
da sociologia americana se confunde com as atividades de pesquisas realizadas
pelo Departamento de Sociologia daquela universidade. Chicago transformarase,
por volta dessa época, em grande metrópole industrial que atraía uma
massa enorme de imigrantes vindos de outros países. Os sociólogos de Chicago
concentraram-se avidamente no estudo dos novos estilos de vida que surgiram
na corrida de uma urbanização extremamente veloz, provocando, segundo a linguagem de alguns destes sociólogos, vários "problemas sociais" e uma
situação de "desorganização urbana".
Um trabalho que ficaria particularmente famoso na sociologia, "The Polish
Peasant in Europe and América", foi elaborado por um dos personagens
significativos desta "Escola de Chicago", William Thomas, em co-autoria com
Znaniecki, um polonês que ajudara a organizar os pesados cinco volumes dessa
obra. Empregando novos métodos de pesquisa, entre os quais a coleta de
biografias e outros documentos pessoais, como a correspondência de seus
personagens de investigação, eles procuraram captar as transformações na
maneira de perceber o mundo e nos estilos de vida de humildes camponeses
que deixavam suas localidades e rumavam para uma cidade moderna em um
novo continente. Documentaram de forma exaustiva, neste trabalho, todo o
impacto da urbanização sobre os homens, concentrando-se também na análise
da mudança das formas tradicionais de controle social para outras, típicas do
meio urbano.
Juntamente com Thomas, a figura de Robert Park constitui outra
personagem fundamental no desenvolvimento da pesquisa de campo na
sociologia. Foram estes dois pesquisadores os responsáveis pela formação de
uma atuante geração de sociólogos, entre os quais pode-se mencionar Louis
Wirth, Herbert Blumer, Everett Hughes e vários outros. Park prosseguiu até o
início da década de 30 em suas atividades de professor naquele Departamento.
Em 1915, publicou na revista "American Journal of Sociology" um artigo
intitulado "A Cidade: Sugestões para a investigação do comportamento humano
num ambiente urbano", que constituiria um verdadeiro roteiro para os estudos
urbanos que seriam realizados por diversos alunos seus, contando também com
a participação de pesquisadores dos outros departamentos daquela
Universidade, economistas, antropólogos, historiadores etc. Contando com um
sólido apoio institucional, levantaram dados sobre a vida de cortiços, quadrilhas
urbanas, dancings, prostitutas, músicos de jazz etc.
Embora tenha sido um período de indubitável progresso para a afirmação e
sistematização da sociologia como ciência, fruto dos inúmeros estudos
realizados nas três primeiras décadas deste século, de um modo geral eles
possuíam algumas limitações. As pesquisas realizadas segundo a orientação
durkheimiana, sem dúvida ricas em material empírico e teoricamente sugestivas, relegaram decididamente a segundo plano as classes sociais como elemento
explicativo dos fenômenos sociais. Na Alemanha, as tentativas de "completar",
de "refinar" o método dialético, de "libertá-lo" de sua concepção "normativa" e
"dogmática", visavam claramente a minimizar e neutralizar a sua influência no
meio acadêmico. Mannheim costumava afirmar que a disputa que a sociologia
alemã travou com o marxismo impulsionou-a, possibilitando um avanço no
conhecimento sobre a sociedade. Sem dúvida, vários estudos elaborados no
calor da polêmica com o marxismo, ao lado de algumas contribuições teóricas e
empíricas, passaram a minimizar o papel dos fatos econômicos na interpretação
da vida social.
Os estudos preocupados com a classificação dos diferentes tipos de
relações sociais existentes em todas as sociedades de certa forma
desvincularam as relações humanas de sua realidade histórica viva e concreta,
produzindo geralmente uma interminável e árida parafernália de conceitos, às
vezes arbitrários e artificiais. O florescimento dos estudos empíricos, ao lado de
alguns méritos, nem sempre apresentou uma clara ligação com a reflexão
teórica, redundando às vezes num empirismo pouco revelador em termos
explicativos. Alguns destes estudos também deixaram de vincular o problema
investigado com o conjunto da vida social. Além disso, algumas destas
investigações também possuíam sérias implicações ideológicas, pois
preocupadas com a "desorganização social", aceitavam, conscientemente ou
não, a realidade social tal como ela se apresentava.
As grandes transformações por que passavam as sociedades européias
nas três primeiras décadas do nosso século foram também objeto de estudos
por parte de teóricos que mantinham claras ou tênues ligações com o
pensamento socialista. Datam desse período as análises de Lênin e Rosa
Luxemburgo sobre a questão do imperialismo. Alguns destes trabalhos tentavam
desenvolver a análise do capitalismo, orientando-se pelo pensamento de Marx,
buscando compreender as mudanças que ocorriam neste sistema,
principalmente a contínua expansão provocada pelo fenômeno do imperialismo.
Coerentes com a unidade postulada pelo marxismo entre teoria e prática,
algumas investigações sobre este tema procuravam não apenas compreender
teoricamente as raízes da política imperialista, mas buscavam também extrair
uma orientação para a luta prática contra o imperialismo. Estas importantes contribuições geralmente foram negligenciadas pela sociologia que se
desenvolvia freneticamente nos meios universitários. A verdade é que estes
trabalhos, grosso modo, não eram considerados "sociológicos" no meio
acadêmico, uma vez que o pensamento socialista, principalmente o marxista,
não estava representado nos departamentos das universidades e, além do mais,
era geralmente considerado neste meio como uma doutrina "econômica".
O desenvolvimento da sociologia na segunda metade do nosso século foi
profundamente afetado pela eclosão das duas guerras mundiais. Tal fato não
poderia deixar de quebrar a continuidade dos trabalhos que vinham sendo
efetuados, interrompendo drasticamente o intercâmbio de conhecimentos entre
as nações. A implantação de regimes totalitários em alguns países europeus,
com a sua inevitável intolerância para com a liberdade de investigação, levou à
perseguição de intelectuais e cientistas que procuraram manter uma posição de
crítica e de independência em face destes regimes. A emigração de um número
considerável de pesquisadores significativos para a Inglaterra e os Estados
Unidos representou um rude golpe na consolidação da sociologia em alguns
países europeus, que, em passado recente, haviam fornecido importantes
contribuições para a afirmação da sociologia como ciência. O amadurecimento
das forças econômicas e militares por parte dos Estados Unidos, assim como a
destruição infligida aos seus rivais na guerra, possibilitaram a sua emergência
como grande potência do mundo capitalista. Os centros de pesquisa norte americanos passaram, em função disso, a dispor de um grande apoio institucional e financeiro para levar adiante as suas investigações e assumir a dianteira nos estudos sociológicos. A partir de então, a sociologia desenvolveuse
vertiginosamente na sociedade norte-americana, vinculada ao meio
universitário, caracterizando-se, em boa medida, por um acentuado reformismo,
investigando temas relacionados com a "desorganização social", centrando a
sua atenção em questões urbanas, na integração de minorias étnicas e
religiosas etc. Em larga medida, o seu desenvolvimento seria estimulado e
sustentado pelo "Estado-do-Bem-Estar-Social", que passou a utilizar os
conhecimentos sociológicos para implementar a sua política de conservação da
ordem existente.
A sociologia, a partir dos anos cinqüenta, seria arrastada e envolvida na
luta pela contenção da expansão do socialismo, pela neutralização dos movimentos de libertação das nações subjugadas pelas potências imperialistas
e pela manutenção da dependência econômica e financeira destes países em
face dos centros metropolitanos.
Antes dessa época, porém, por ocasião da Grande Depressão, a sociologia
americana procurou fundamentar teoricamente uma posição antimarxista que
lhe permitiria posteriormente sentir-se mais segura e mais à vontade para
executar suas funções conservadoras no plano político, econômico e cultural.
Um grupo de professores e pesquisadores de Harvard, no início dos anos 30,
procurou entrar em contato com a sociologia acadêmica européia, pois
considerava que vários pensadores europeus haviam formulado uma
convincente defesa contra o marxismo, fenômeno que os sociólogos europeus
conheciam de perto. Vários sociólogos que pouco tempo depois viriam ocupar
posições de destaque na produção do conhecimento sociológico na sociedade
americana, como Parsons, Roberto Mertom, George Homans, Clyde Kluckhohn,
passaram a estudar a obra de Pareto com o objetivo de enfrentar teoricamente o
marxismo, que na verdade nunca chegou a penetrar com vigor nos meios
operário e universitário americanos.
O desenvolvimento empírico que a sociologia americana experimentou - os
trabalhos da "Escola de Chicago" são um marco de referência a este respeito –
levou vários estudiosos a se dedicarem com verdadeiro furor à criação de novos
métodos e técnicas de investigação. Uma série de estudiosos, como George
Lundeberg, Paul Lazarsfel, Samuel Stouffer e outros, passou a se ocupar de
questões metodológicas, buscando em larga medida refinar os procedimentos
quantitativos e estatísticos da pesquisa de campo. Sem dúvida, alguns destes
trabalhos forneceram uma contribuição à investigação sociológica. Mas devido à
insistência com que trataram os problemas de métodos da pesquisa empírica,
relegando de certa forma as questões teóricas a segundo plano transformaram
as especulações sobre os métodos e técnicas da pesquisa empírica no grande
campo de concentração e atenção dos sociólogos. O método e a técnica de
pesquisa passaram a constituir de certa forma um fim em si mesmo.
Os estudos de campo que vários sociólogos realizaram segundo a
orientação empirista, constituíram em boa medida um conjunto de fatos
isolados, destituídos de visão histórica. Os trabalhos sobre as relações sociais,
sobre as questões urbanas, sobre a família, sobre os "pequenos grupos", contribuíram para desmembrar os fenômenos investigados do conjunto da vida
social. Esta tradição de investigação incorporou também uma visão positivista,
passando a apresentar os seus trabalhos como "neutros" e "objetivos". George
Lundberg, um dos expoentes dessa corrente, reafirmaria a tese positivista de
considerar a sociologia como ciência natural. Segundo ele, seria possível ao
sociólogo estudar a sociedade com o mesmo estado de espírito com que um
biólogo investiga um ninho de abelhas.
Esta avalanche empirísta, que influenciou várias gerações de sociólogos
americanos, irradiando-se também para os outros centros de investigação dos
países centrais do capitalismo e também da periferia, representou uma profunda
ruptura com o estilo de trabalho que realizaram os clássicos da sociologia.
Vimos no capítulo anterior que estudiosos como Weber, Marx, Durkheim, Comte
e outros buscaram trabalhar as questões que possuíam uma significação
histórica, enfocando, por exemplo, a formação do capitalismo. Os novos estudos
empíricos, em geral, abandonaram essa disposição de trabalhar com problemas
históricos que possibilitassem uma compreensão da totalidade da vida social,
concentrando-se via de regra em aspectos irrelevantes.
A ruptura de algumas tendências significativas da sociologia
contemporânea com relação às preocupações dos pensadores clássicos, ao
lado de um reformismo conservador preocupado com os problemas dos
"desajustes sociais", de uma postura teórica antimarxista, e da a adoção de uma
ética positivista que pressupunha uma separação entre os julgamentos de fato e
os julgamentos de valor, tudo isso possibilitou à sociologia se firmar como
ciência de uma prática conservadora. Os dinamismos que passaram a
comandar o seu avanço daí em diante seriam motivados pela sua capacidade
de resolver os "problemas sociais" da sociedade capitalista, principalmente para
protegê-la na sua luta pela neutralização dos diferentes movimentos
revolucionários que passaram a surgir em várias sociedades.
É nesse contexto que surge a melancólica figura do sociólogo profissional,
que passa a desenvolver as suas atividades de correção da ordem, adotando
uma atitude científica "neutra" e "objetiva". Na verdade, a institucionalização da
sociologia como profissão e do sociólogo como "um técnico", um "profissional
como outro qualquer", foi realizada a partir da promessa de rentabilidade e
instrumentabilidade que os sociólogos passaram a oferecer a seus empregadores potenciais, como o Estado moderno, as grandes empresas
privadas e os diversos organismos internacionais empenhados na conservação
da ordem em escala mundial.
A universidade foi, em diversos países capitalistas, tanto nas nações
centrais como nas periféricas, abandonando um relativo isolamento em face do
Estado moderno e das imensas organizações econômicas para vincular-se
estreitamente aos centros do poder econômico e às suas necessidades de
preservação. Diante disso, a sociologia já não pode mais ser considerada como
um simples aspecto do mundo universitário. Vários professores passaram a
colaborar leal e decididamente com os diferentes órgãos estatais e empresas
privadas. O envolvimento de diversos cientistas sociais e sociólogos com
conflitos como o do Vietnã e projetos que visavam a estudar os movimentos
revolucionários de diversas nações latino-americanas foi, em passado recente,
fartamente denunciado por sociólogos que ainda mantêm uma posição de crítica
e de independência intelectual.
A profissionalização da sociologia, orientada para legitimar os interesses
dominantes, constituiu campo fértil para uma classe média intelectualizada
ascender socialmente. A profissionalização do sociólogo, moldada por esta
lógica de dominação, acarretou-lhe, via de regra, a sua conversão em
assalariado intelectual e a domesticação do seu trabalho.
O método de investigação funcionalista, que durante os últimos trinta anos
dominou uma parte considerável do pensamento teórico na sociologia em
diversos países, constituía uma outra dimensão importante na guinada desta
disciplina rumo a posturas conservadoras. Sem negar o valor de algumas
descobertas teóricas proporcionadas pela explicação funcionalista, ela
desempenhou papel destacado na escalada dos usos conservadores das
ciências sociais. Dos fundadores deste método de investigação aos seus atuais
seguidores, independentemente das nuances por ele assumidas entre os seus
adeptos, prevaleceu a preocupação com o problema da ordem social. Como é
possível a ordem social? Talvez seja essa interrogação que tenha unido homens
como Durkheim, Malinowski, Radcliffe-Brown, Talcott Parsons e muitos outros.
O pensamento conservador, representado por figuras como de Bonald,
Maistre, Burke e outros, também havia, como vimos anteriormente, centrado as
suas atenções sobre a questão da ordem social e dos mecanismos que a tornam possível. Os diferentes matizes do método funcionalista preservavam
esta preocupação com a elucidação das condições de funcionamento e de
continuidade dos sistemas sociais. Com essa perspectiva, analisaram a
contribuição que determinadas instituições culturais forneciam para a
manutenção da solidariedade social e a importância dos valores e das
orientações culturais para a integração da vida social.
Um funcionalista convicto - Robert Mertom sublinhou os excessos de
algumas análises funcionalistas que consideram a sociedade como algo
coerente e organizado, bastante organizado. Isso, para ele, além de ser abusivo,
não possui muito sentido, ao pressupor que toda instituição cultural ou social
contribua de forma positiva para o ajustamento de uma determinada sociedade.
Assinala ele que nem todos os elementos culturais ou sociais contribuem para o
equilíbrio social, pois alguns deles podem ter conseqüências incômodas para
uma certa sociedade, dificultando o "bom funcionamento" de sua ordem.
Por mais que alguns sociólogos procurem "corrigir" os excessos do
funcionalismo e defendê-lo das persistentes acusações de ser ele uma ideologia
conservadora, os trabalhos orientados por esta abordagem ao que tudo indica,
jamais colocaram em questão a validade da ordem estabelecida, tomando
implicitamente uma posição francamente favorável à sua preservação e
aperfeiçoamento.
No entanto, vários sociólogos têm manifestado uma posição de crítica e
questionamento à produção de uma sociologia comprometida com a
preservação da ordem, seja ao nível de suas técnicas e métodos de
investigação, seja ao nível da prática profissional. Pensadores como Wright
Mills, Alvin Gouldner, Lucien Goldman, Martin Nicolaus e vários outros, têm
realizado uma penetrante avaliação das relações entre a sociologia e as
relações dominantes.
Ao lado de uma sociologia que estendeu suas mãos ao poder, não se pode
deixar de mencionar as importantes contribuições proporcionadas por uma
sociologia orientada por uma perspectiva critica. Em boa medida, esta sociologia
tem permitido a compreensão da sociedade capitalista atual, das suas políticas
de dominação e dos processos históricos que buscam alterar a sua ordem
existente. Tanto nos países centrais do capitalismo como nos periféricos, têm
surgido novas gerações de cientistas sociais que procuram realizar com seus trabalhos uma autêntica critica da dominação burguesa, buscando combinar a
alteração da ordem com a sua explicação.
Vimos anteriormente que a sociologia encontrou sua vocação critica na
tradição do pensamento socialista, que tem analisado a sociedade capitalista
como um acontecimento histórico transitório e passageiro. São os autores
clássicos e as novas expressões do pensamento socialista que têm colocado a
sociologia em contato com os processos de transformação da sociedade.
Pensadores como Korsh, Lukács e os pesquisadores do Instituto de
Pesquisa Social de Frankfurt, como Adorno, Horkheimer, Marcuse, forneceram
uma importante contribuição ao estudo crítico da sociologia e da sociedade
capitalista. Em geral, estes pensadores rejeitaram a idéia do marxismo como
ciência positiva da sociedade, ou seja, como "Sociologia", tal como esta ciência
fora imaginada pelo positivismo. Lukács, em seu trabalho "História e
Consciência de Classe", concebeu o marxismo como uma "filosofia crítica" que
expressava a visão de mundo do proletariado revolucionário. Os pensadores da
"Escola de Frankfurt" também desenvolveram uma concepção do marxismo
como "filosofia crítica", bastante diferenciada segundo eles, do positivismo
sociológico. O marxismo, nas mãos dos membros da "Escola de Frankfurt", foi
colocado fora da política partidária, assumindo um caráter de crítica geral da
cultura burguesa, dirigida principalmente a um público constituído em sua
grande maioria por estudantes e intelectuais.
Vários teóricos do marxismo contemporâneo, sem negar a importância dos
fatores econômicos na explicação da vida social, procuraram investigar com
maiores detalhes o papel das ideologias na manutenção da dominação
burguesa. Os trabalhos de Gramsci, Althusser, Poulantzas, Bourdieu e outros,
independentemente de suas variações metodológicas, têm possibilitado uma
compreensão mais adequada de como se processa o domínio intelectual da
burguesia sobre as demais classes sociais.
Nos vários países que formam a periferia do sistema capitalista, produz-se
uma sociologia questionadora da ordem, principalmente da dominação
imperialista a que estes povos estão submetidos. Alguns dos questionamentos
mais severos das suposições básicas da sociologia, dos seus conceitos e
métodos, da sua conduta, têm partido dos sociólogos da periferia do sistema
capitalista, inconformados com a situação histórica em que se encontram seus povos e com os rumos que a sociologia tomou em diversas sociedades.

 

                                                        Sobre o autor
Carlos Benedito Martins é sociólogo, graduado e mestre em Ciências
Sociais pela PUC de São Paulo, onde exerceu durante vários anos atividade
docente. Foi coordenador do Departamento de Sociologia daquela Universidade
no período de 1977 a 1981. É doutor em Sociologia pela Universidade de Paris,
onde apresentou a tese "Le Nouvel Enseignement Supérieur Privé au Brésil
(1964-1983): rencontre dune demande sociale et dune opportunité pofttique". É
autor do livro Ensino Pago: um retraio sem retoque, publicado pela Global
Editora. Organizou Ensino Superior Brasileiro: transformações e perspectivas
atuais, publicado pela Brasiliense.
Atualmente exerce funções de docência e de pesquisa no Departamento de
Sociologia da Universidade de Brasília i.UnB), atuando nas áreas de Teoria
Sociológica e Sociologia da Educação. É também pesquisador do CNPq.