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LIVRO DE ECONOMIA JURÍDICA-LETÁCIO JANSEN
Imagem #1
LETÁCIO JANSEN
INTRODUÇÃO À ECONOMIA JURÍDICA
RIO DE JANEIRO
Lumen Juris
2003
Dedico este livro aos meus amigos Sabino Camargo e Hélio Saboya
SUMÁRIO
Prefácio
Duas palavras do autor
Capítulo 1 - Direito Econômico
versus Análise Econômica do Direito
Capítulo 2 – Direito e Economia no pensamento de ASCARELLI
Capítulo 3 – Direito e Economia no pensamento de BOBBIO
Capítulo 4 – Sanções positivas
Capítulo 5 - Descentralização das sanções
Capítulo 6 – O ato jurídico da emissão
Capítulo 7 – O ordenamento monetário
Capítulo 8 - Recepção do ordenamento monetário pelo ordenamento jurídico
Capítulo 9 - Conceito de Valor Nominal
Considerações finais
PREFÁCIO
Receber o convite de LETÁCIO JANSEN para prefaciar a sua nova obra, Introdução à Economia Jurídica, foi uma alegre honra: o prazer de receber a homenagem de um dos meus mestres; e a oportunidade de retribuir a LETÁCIO JANSEN, de alguma forma, a "apresentação" que me fez de uma de uma série de obras, que nos congregaram e em muito contribuíram para a minha formação, entre as quais Dalla Strutura alla funzione – Nuovi Studi di Teoria del Diritto, de NORBERTO BOBBIO, e Ordinamento Giuridico e Processo Economico, de TULLIO ASCARELLI.
A amizade que nos irmana e a afinidade intelectual que nos inspira constituem o substrato deste Prefácio.
Estudando o Direito Administrativo Econômico brasileiro, refletindo sobre as relações entre o Direito e a Economia, percebi o quanto as noções tradicionais das Teorias do Direito e do Estado deviam ser revistas diante da atual realidade do poder estatal (poder estatal?) O exercício do poder político coletivo, desde a derrocada do feudalismo até bem recentemente, sempre pressupôs a sobrepujança do Direito, seu principal instrumento, sobre as demais formas de exercício de poder coletivo existentes na sociedade (poder econômico, poder religioso, poder da mídia, poder das tradições comunitárias, etc.).
As redes que passaram a se formar ao longo do globo entre estes diversos interesses parciais de organização da sociedade, propiciadas pelos avanços comunicacionais verificados, colocaram em xeque a presunção de o Estado poder, de per se, fazer as suas regras de conduta terem os efeitos sociais desejados.
A sua coerção passou a sofrer a influência, há muito (talvez desde o final do feudalismo) não sentidas com tamanha intensidade, de forças sociais de propulsão jurídica positiva – levando o poder político a se direcionar no sentido da encampação/juridicização das suas normas – e negativa – impedindo ou dificultando a efetivação de pautas jurídicas antitéticas às suas lógicas. E reversamente, como afirma LETÁCIO JANSEN, "as regras jurídicas são elas próprias um elemento constitutivo de um certo sistema econômico, no sentido de que contribuem a formá-lo, isto é, a forjá-lo de um modo e não de outro".
A dificuldade de o Estado se impor a estas poderosamente novas forças sociais e econômicas deve necessariamente levar à análise das Teorias Gerais do Estado e do Direito sob um novo prisma.
O Direito não pode ignorar a realidade social sobre a qual incide. As regras jurídicas devem ter a validade da sua aplicação aferida do ponto de vista da sua eficácia, instrumental à realização prática dos seus objetivos públicos, não apenas do ponto de vista de sua conformidade em tese com os atos normativos hierarquicamente superiores.
Uma regra que, fora de qualquer zona cinzenta de juízo, indubitavelmente não está realizando as finalidades públicas às quais se destina, ou pior, as está contrariando, não pode ser aplicada aos casos concretos em que tenha esses efeitos.
A este propósito, são essenciais as lições de LUCIO IANNOTTA, para quem, "no que diz respeito à fundamental relação com o princípio da legalidade, a Administração de resultado – como Administração obrigada a assegurar com rapidez, eficiência, transparência e economicidade, bens e/ou serviços à comunidade e às pessoas – tende, de um lado, a transformar a legalidade mais em uma obrigação de respeito a princípios do que de respeito a preceitos, e, por outro lado, a assumir parâmetros de avaliação de tipo informal e substancial ou até mesmo econômico-empresarial, expressos em termos de quantidade e qualidade dos bens e dos serviços assegurados, de tempestividade das prestações, de quantidade dos recursos empregados, de prejuízos causados a terceiros, de relação custos-benefícios, etc. A Administração de resultado parece, portanto, carregar consigo um dilema de difícil superação, sobretudo durante a passagem de um modelo de Administração autoritativa, unilateral, unitária, coercitiva e jurídico-formal, para uma Administração caracterizada pelo pluralismo, pela negociação, pelo caráter residual e subsidiário do emprego da autoridade, etc. Este dilema é constituído por dois termos: redimensionamento da lei e sua relevância no limite dos resultados alcançados, ou atenção à lei em todos os seus componentes e relevância dos resultados apenas no limite da observância da lei. No primeiro caso, teríamos a instrumentalização (ou mesmo sacrifício) da lei em relação ao resultado, e no segundo, do resultado em relação à lei.
Mais adiante, o autor italiano vai ainda além, afirmando, diante da eficácia expansiva dos direitos fundamentais, que, "à luz do princípio (F. SATTA), hoje cada vez mais aplicado, pelo qual a Administração, salvo expressa vedação da lei, pode sempre adotar os instrumentos mais idôneos para realizar os fins impostos ou indicados pelas leis, a Administração – sempre que não sejam possíveis até mesmo a interpretação de adequação ou a desaplicação, em razão da clareza do dispositivo limitador de direitos fundamentais e pela correspondência integral dos fatos a ele – poderá e, portanto, deverá, diante de direitos fundamentais injustamente atingidos, buscar outras vias que não produzam tal efeito".
O dilema deve, ao nosso ver, ser resolvido, não pelo menosprezo da lei, mas pela valorização dos seus elementos finalísticos. É sob este prisma que todas as suas regras devem interpretadas e aplicadas, ou seja, todo ato, normativo ou concreto, só será válido ou validamente aplicado, se for a maneira mais eficiente ou, na impossibilidade de se definir esta, se for pelo menos uma maneira razoavelmente eficiente de realização dos seus objetivos.
Esta instrumentalidade das normas jurídicas faz com que os métodos da sociologia jurídica sejam indispensáveis à defesa da sua aplicação ou não, o que nos obrigada necessariamente a considerar na regulação das relações sociais e econômicas os signos e as regras próprias dos subsistemas regulados.
Uma das mais criativas e estruturadas teorias que vêm tentando explicar este fenômeno é a Teoria dos Sistemas, segundo a qual a sociedade é um Sistema continente de vários subsistemas, entre os quais o Direito, a Política, a Economia, a Religião, a Ciência, cada uma delas funcionando de acordo com as suas próprias referências, códigos e regras. Por exemplo, para o Direito, o código legal-ilegal, para a Economia, mais lucrativo–menos lucrativo.
Esta auto-referencialidade dos subsistemas sociais não ilide, contudo, a necessidade da existência de mecanismos de comunicação entre eles: como todos fazem parte do mesmo Sistema – o social –, sobre o qual pretendem atuar e influenciar, não há como os seus objetivos parciais serem realizados sem a colaboração – acoplamento –, necessariamente parcial, com os objetivos e as lógicas dos outros subsistemas sociais.
A regulação do Estado contemporâneo só pode ser eficiente (realizável praticamente) se considerar estas condicionantes, existentes nas relações entre todos os subsistemas – e o Direito não é o único nem o mais poderosos deles –, e que alcançam, em estado ideal, o acordo intersistêmico.
Nas palavras de GUNTHER TEUBNER, "uma tal visão das coisas é recorrente na análise econômica do direito onde, como sabemos, as normas jurídicas são consideradas como puros factores de custo e onde a respectiva observância depende estritamente da circunstância de os benefícios retirados da conduta proibida não excederem os respectivos custos (caso em que a conduta proibida não apenas é escolhida, mas é também tida como a opção correta)".
Em outra obra, o mesmo autor adverte que "não podemos esquecer que as operações econômicas podem ficar indiferentes às normas jurídicas. Se a determinação jurídica não pode ser executada senão ao preço da abolição de um código econômico (o que é pouco provável para a economia como um todo, mas muito provável para setores particulares), o acoplamento estrutural (entre os dois sistemas) não é possível. Neste caso, a economia praticará a desobediência civil, prevalecendo-se dos valores mais elevados de sua instituição e escapará pelos mercados negros. (...) Não ignoramos que o Ministério Público e a polícia estarão lá! Mas se a proibição se impõe à força da baioneta é porque o código do poder tomou o lugar do código da economia e a satisfação das necessidades políticas substituiu a satisfação das necessidades econômicas. Esta situação tem o mérito de revelar as vantagens e desvantagens de uma economia esteada no mercado, mas nós podemos, apesar de tudo, nos perguntar se é mesmo com os recursos limitados da baioneta que nos interessa tratar do tema da regulação jurídica da sociedade. (...) Um sistema é estruturalmente acoplado ao seu ambiente (o sistema regulado) quando os eventos que nele se desenvolvem representam perturbações que servem para melhorar ou modificar as suas próprias estruturas. Se ele domina a distinção entre a auto-referência e a hetero-referência, ele pode utilizar os acoplamentos estruturais para se emancipar do seu ambiente, na medida em que 'ele pode considerar as suas exigências como condições de suas próprias operações, como irritações ou mesmo como chances'." Se os acoplamentos estruturais lograrem ser duráveis, intensos e institucionalmente de qualidade, terão cumprido as condições necessárias para a necessária comunicação inter-sistêmica.
É interessante como a ciência jurídica, talvez em uma equivocada afirmação do pós-modernismo, vive uma fascinação contínua e sucessiva por novas ondas de
pensamento. Não que haja nada negativo em prestigiar e analisar profundamente estas novas Teorias, muito pelo contrário, mas a sua análise não pode ser feita com indiferença a análises menos recentes da Ciência do Direito que também revelam com brilhantismo a mútua dependência entre o Direito e os demais subsistemas sociais.
NORBERTO BOBBIO, por exemplo, há algumas décadas já notava a emergência de uma "Teoria Realista do Direito que volta a sua atenção mais à efetividade que à validade formal das normas jurídicas, colocando o acento, mais do que sobre a auto-suficiência do sistema jurídico, sobre a inter-relação entre sistema jurídico e sistema econômico, entre sistema jurídico e sistema político, entre sistema jurídico e sistema social em seu conjunto, (...) procurando o seu objeto, em última instância, não tanto nas regras do sistema dado, mas sim na análise das relações e dos valores sociais dos quais se extraem as regras dos sistemas. (...) A ciência jurídica não é mais uma ilha, mas uma região entre outras de um vasto continente".
É inclusive neste ponto que a obra de LETÁCIO JANSEN é tão relevante para a Ciência Jurídica, já que, abordando o Direito Monetário, seara na qual é o incontestável precursor no nosso país, traça o perfil das relações Direito-Economia nas sociedades contemporâneas a partir das mais importantes e diversas fontes teóricas, as quais o autor criticamente harmoniza e potencializa.
Em um primeiro momento, fixa as bases de uma inédita Teoria Geral do Direito Monetário, relevando e explicitando os vínculos do Direito e da Economia travados através da moeda, criação concomitantemente econômica e jurídica e instrumento indispensável à comunicação entre os dois subsistemas.
Na segunda parte da obra, analisa concretamente alguns pontos específicos do Direito Monetário, em que aplica as premissas teóricas adredemente colocadas, entre os quais a moeda única no Mercosul, a inflação, a atualização monetária e os juros no Direito brasileiro, inclusive no Novo Código Civil.
A correlação que LETÁCIO JANSEN faz entre os subsistemas jurídico e econômico, longe de uma mera relação de aceitação incondicionada da lógica deste, é imbuída dos valores maiores consagrados na nossa Constituição, em especial da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º III, CF), com a qual o autor, dentro da perspectiva da força expansiva dos direitos fundamentais e da eficácia normativa da Constituição, permeabiliza o Direito Monetário positivo brasileiro. Nesta senda, em lapidar aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, observa ter natureza fundamental o direito de "a pessoa saber, no momento da constituição da obrigação, o número de peças monetárias de que vai precisar dispor para efetuar o pagamento no momento da liquidação da obrigação".
A Introdução à Economia Jurídica é, assim, obra que contribui decisivamente tanto para a reflexão teórica das relações contemporâneas do Estado e do Direito com a Economia, como para fornecer a axiologia e a teleologia necessárias para a resolução dos desafios hermenêuticos do Direito Monetário.
Deixamos o leitor com este prazeroso exercício intelectual que é a leitura da obra de LETÁCIO JANSEN, da qual, ainda que modestamente, tivemos o orgulho de participar ao elaborar este Prefácio.
Alexandre Santos de Aragão
Professor das Pós-Graduações da UERJ e da UFFe do Mestrado em Regulação e Concorrência da Universidade Candido Mendes
Duas Palavras do Autor
Proponho agrupar sob a designação de "Economia Jurídica" as várias disciplinas jurídicas, que começaram a surgir no século XX, desde o Direito Econômico (Wirtschafsrecht ) dos alemães, da década de 1920, até a Análise Econômica do Direito (Law & Economics ) dos americanos da década de 1960. Tal denominação abrange, portanto, além dos mencionados Análise Econômica do Direito e Direito Econômico (este com as suas sub-divisões: Direito Constitucional Econômico, Direito Administrativo Econômico, Direito Ambiental Econômico, Direito Processual Econômico e Direito Internacional Econômico) o Direito Monetário, o Direito Bancário, o Direito Financeiro, o Direito Orçamentário, o Direito Tributário, o Direito Societário, o Direito Empresarial, o Direito Empresarial Público, o Direito Público da Economia, o Direito da Concorrência, o Direito do Consumidor e o Direito Regulatório. Isso sem falar, pelo menos por ora, nos chamados Direitos Sociais ( como os Direitos do Trabalho e Previdenciário, por exemplo, que são, também, direitos de base econômica ), nem no Direito das Obrigações ( que provém de séculos anteriores )
A expressão "Economia Jurídica" ( que poderia ser vertida para o inglês como "Juridical Economy") não é encontradiça na literatura jurídica, nem na econômica, salvo algumas referências, em francês, a "Economie Juridique", com um significado, porém, mais estreito do que agora estou alvitrando. A despeito da originalidade do termo – o que, de certa forma, não deixa de ser uma vantagem – parece inegável a utilidade do seu emprego, não só para tentar reunir, sob uma perspectiva unificada, tantas matérias, que versam sobre um objeto que, em última análise, é comum.
A minha proposta de agrupar, sob uma designação única, as várias matérias que atualmente cuidam dos efeitos do entrelaçamento de fenômenos jurídico e econômicos não importa na unificação dos currículos dessas disciplinas. Num primeiro momento a Economia Jurídica se propõe a ser, apenas, uma perspectiva diferente para o exame das questões jurídico-econômicas, e dos ramos do Direito que atualmente as estudam, sem o
propósito de substituí-los, sendo, inclusive, a sua finalidade precípua o estudo de normas de conduta, e não de normas de organização.
De qualquer modo, não se trata de mera sugestão de outro nome, mas, como veremos nos capítulos que se seguirão, de um método de abordagem original, a partir de um conceito de moeda como elo de ligação entre o Direito e a Economia.
As idéias que apresento foram, em momentos diversos, debatidas com várias pessoas, que me ajudaram a não perder o rumo das minhas reflexões. Agradeço ao Alexandre Aragão, à Lúcia Léa, ao Sauer, à Vanessa, à Márcia, à Carla, ao Marcos Juruena, ao Paulo Caliendo, e aos meus filhos Rodrigo e Renata – bem como aos alunos da Escola Superior de Advocacia Pública do Estado do Rio de Janeiro - a paciência de me terem lido e ouvido, isentando-os, evidentemente, de qualquer responsabilidade pelos meus desacertos.
Capítulo 1
Direito Econômico
versus Análise Econômica do Direito
O Direito econômico nasceu com a primeira guerra mundial como um direito excepcional, tornando-se, mais tarde, o instrumento corrente da intervenção dos governos democráticos no domínio da economia Arrefecendo o ímpeto dessa intervenção a doutrina jurídica14 passou a considerar que, embora ainda se manifestasse através do intervencionismo, o Direito econômico não podia se limitar a isso, surgindo, daí, a noção de que o objeto da disciplina seria a ordenação da atividade econômica, procedida de formas diversas nas várias etapas da história, ostentando esse direito, portanto, um caráter histórico, e relativo, sendo dependente do concreto sistema econômico sobre o qual se projetasse.
No Brasil, FABIO KONDER COMPARATO, em trabalho pioneiro , definia o "novo Direito Econômico como o conjunto de técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica" constituindo, assim, "a disciplina normativa da ação estatal sobre as estruturas do sistema econômico" "coordenadas num quadro geral que exprime o conjunto da política econômica, e que é o plano." Na mesma linha EROS ROBERTO GRAU16 definiu-o, mais recentemente, como o "sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante a regulação, sob o ponto de vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal."
Para definir a Análise Econômica do Direito em poucas palavras, ROBERT COOTER e THOMAS ULLEN partem da noção jurídica clássica de sanção, identificando-a, a seguinr, com conceito de preço, para concluirem, afinal, que as pessoas reagem às sanções jurídicas de modo muito semelhante ao que reagem frente aos preços, de modo que a Economia pode oferecer ao Direito uma teoria das condutas humanas para ajudá-los a prever o comportamento das pessoas diante de certas situações, permitindo, com isso, aos juristas superar a antiga prática de empregarem apenas, nessa previsão a sua experiência ou intuição.
A Economia, para esses Autores, provocou uma mudança decisiva não só no rumo dos estudos jurídicos, como na compreensão tradicional das instituições jurídicas e na prática do Direito, tendo-se tornado possível, com a ajuda de técnicas econômicas ( tais como a teoria dos preços e a teoria dos jogos ), dirigir a conduta das pessoas, de modo diverso daquele que decorria da aplicação de sanções jurídicas tradicionais.
Antes de 1960 a Análise Econômica do Direito limitava-se a estudar os monopólios, e alguns aspectos do Direito Tributário, do Direito Empresarial e da Regulação dos Serviços de Utilidade Pública. A partir dessa época, porém, passaram os seus estudiosos, a aplicar as suas proposições a vários outros ramos do Direito, mesmo àqueles que não diziam aparentemente respeito às relações de natureza econômica, tanto no sistema do common law como do chamado Direito estatutário.
Todo o common law, enfim, tornar-se-ia mais compreensível19 quando pensado como um sistema cuja função é a maximização da riqueza em sociedades que perseguem a eficiência, nas quais as pessoas estão sempre procurando a realização dos seus próprios interesses. No campo do Direito estatutário haveria menos oportunidades de promover-se
tal eficiência, mas, mesmo nessa área, o comportamento das pessoas estaria impregnado de interesses econômicos, suscetíveis de ser desvendados pela análise econômica. Simplificando a questão poderíamos dizer, portanto, que, assim como o Direito Econômico trata da intervenção do Estado no domínio econômico ( versando, de um modo geral, sobre normas organização ), a Análise Econômica do Direito, voltada, prioritariamente, para o exame das normas de conduta, dedicar-se-ia ao estudo da "intervenção" da Economia no Estado. Colocado o problema nesses termos estaríamos diante de uma contradição entre a Análise Econômica do Direito dos americanos e o Direito Econômico dos europeus20. No fundo, porém, estamos, nos dois casos, diante do problema da relação do Direito com a Economia, cabendo-nos encontrar a melhor perspectiva para estudar essa relação.
Capítulo 2
Direito e Economia no pensamento de ASCARELLI O primeiro jurista que, entre nós, dedicou-se ao estudo aprofundado das relações do Direito com a Economia foi ninguém menos do que TULLIO ASCARELLI, eminente professor italiano que se exilou no Brasil, onde, no período de 1941 a 1946 lecionou intensamente, aqui escrevendo parte significativa de sua obra. Desde a juventude ASCARELLI sempre teve a sua atenção voltada para temas jurídicos relacionados com a Economia, particularmente a monetária Ainda na Itália, onde percorreu brilhante carreira universitária22, publicou, ao lado de outros ensaios de caráter mais geral, sua primeira extensa monografia, "La moneta - considerazioni di diritto privato"23. Já no Brasil, ampliou ASCARELLI a sua investigação sobre as vinculações entre Direito e Economia, tornando-se, aos poucos, nas palavras de BOBBIO, um "jurista-economista"24, que considerava o direito sobretudo no seu valor instrumento, tendo em vista os fins econômicos da sociedade.
Em repetidas ocasiões reafirma ASCARELLI tal visão do Direito. Na Advertência que inaugura o livro Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, depois de assinalar que "reune, este volume, os ensaios que tive ocasião de escrever no Brasil", afirma ter visado sempre "cuidar da relação entre o problema econômico e o jurídico, evidenciando as recíprocas relações entre eles, (para) esclarecer o alcance de princípios e institutos jurídicos e evidenciar também o aspecto instrumental deles."
No ensaio "Premissas ao estudo do direito comparado", salienta que "o estudo do direito comparado proporciona a possibilidade de colher ao vivo, numa experiência concreta, o direito no seu ambiente social e de verificar todas as influências recíprocas entre o direito e o meio, de vê-las, por assim dizer, em ação; de acompanhar a tradução em termos jurídicos do problema econômico e social, e colher o real alcance econômico e social do problema jurídico."
Em outro ensaio, "Princípios e problemas das sociedades anônimas", abre um título "função econômica", e pondera: "A sociedade anônima apresentou-se como o instrumento típico da grande empresa capitalística e, com efeito, surgiu e se desenvolveu com este sistema econômico e em relação às suas exigências; meio para a mobilização das economias de vastas camadas da população e para a conseguinte difusão da inversão, instrumento jurídico para a realização dos projetos de uma economia que se ia renovando de maneira radical."
Na Teoria Geral dos Títulos de Crédito , por sua vez, observa: "Se nos perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formação da economia moderna, outra não poderíamos talvez apontar que mais tipicamente tenha influído nessa economia do que o instituto dos títulos de crédito. A vida econômica moderna seria incompreensível sem a densa rede de títulos de crédito; às invenções técnicas teriam faltado meios jurídicos para a sua adequada realização social; as relações comerciais tomariam necessariamente outro aspecto." Na conclusão do trabalho é ainda mais enfático: "Ao encerrar estes estudos seja-nos permitido chamar novamente a atenção do leitor para a influência exercida pela existência dos títulos de crédito sobre o próprio caráter econômico da propriedade e, assim, chegados ao termo da investigação, voltar às considerações econômicas que nos foram ponto de partida."
Uma das preocupações recorrentes de ASCARELLI consistia nas relações entre as funções econômicas dos institutos e as suas estruturas jurídicas. No ensaio "Norma Jurídica e Realidade Social", escreve: "Um mestre dentre os mestres, PIETRO BONFANTE, chamava a atenção para o contraste entre a estrutura e a função de um instituto como um critério heurístico para que o histórico pudesse desvendar a função originária, revelada através dos elementos estruturais sem significado na análise de sua função posterior. O maior dos juristas norte-americanos, O.W.HOLMES, partia de iguais considerações chamando a atenção sobre a permanência de estruturas jurídicas correspondentes a funções historicamente superadas, embora adaptadas a novas funções. O contraste entre a estrutura e a função real de um instituto está, a rigor, sempre presente diante da impossibilidade de uma adequação perfeita de qualquer estrutura fixa e esquemática a uma variedade de casos concretos. Mas esse contraste assume um relevo particular, quando a função que, em sua totalidade, ou, pelo menos, na generalidade dos casos, é própria do instituto na realidade social, é diversa daquela que tipicamente lhe corresponde segundo a sua estrutura." No ensaio Negócio Indireto30, lembra, mais uma vez, "as geniais pesquisas de BONFANTE sobre o sentido da eventual desarmonia entre estrutura e função de um instituto jurídico."
A vinculação do Direito à Economia não significava, para ASCARELLI, que houvesse uma economia natural e imutável. Ele tem a perfeita consciência de que "a disciplina juridica não constitui forma variável de uma constante substância, numa contraposição que pressuporia uma legalidade econômica natural; constitui ela própria elemento da estrutura econômica, cujos efeitos e procedimentos são função das regras seguidas na ação, e vice-versa." Essa consciência é acentuada por BOBBIO ao salientar que a afirmação de que o direito seria a expressão de relações econômicas, não queria jamais dizer, para ASCARELLI, que o direito fosse o simples produto do sistema economico: sob certos aspectos podia considerar-se o sistema econômico como um produto do direito, isto é, das regras acordadas ou impostas que eram de tempos em tempos formuladas para dar a uma relação antes esta do que aquela disciplina.
Para BOBBIO, imaginava ASCARELLI que poderia haver uma integração, ou uma interdependência, entre exigência econômica e regra jurídica, sendo provável ter, às vezes, despertado nele a idéia de que o direito fizesse parte do sistema econômico e que, portanto, o problema tradicional das relações entre direito e economia fosse um problema mal posto, porque as regras juridicas são elas próprias um elemento constitutivo de um certo sistema econômico, no sentido de que contribuem a formá-lo, isto é, a forjá-lo de um modo e não de outro. ASCARELLI delineou as bases do seu "funcionalismo" numa conferência que proferiu em São Paulo, em 1946, na Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo, sob o título "Funções Econômicas e Institutos Jurídicos na técnica da interpretação" Podemos considerá-lo, pois, como primeiro e mais importante nome da Economia Jurídica no Brasil.
Capítulo 3
Direito e Economia no pensamento de BOBBIO
Depois do ensaio sobre ASCARELLI, escrito em 1964, e até o final da década de 1980 dedicou-se BOBBIO, ele próprio, a refletir sobre as relações entre o Direito e a Economia, especialmente em torno dos temas das sanções positivas e da função promocional, ou incentivadora, do Estado.
Como puderam Direito e Economia manter-se, durante tanto tempo tão pouco integrados ?
Segundo BOBBIO esse fenômeno – do distanciamento entre a Economia e o Direito – decorreu de razões históricas, e ideológicas; tendo a alteração do foco do interesse dos juristas resultado do recente desenvolvimento dos estudos de sociologia do Direito A rigor, como observa BOBBIO, Direito e Economia deveriam, sempre, ter caminhado juntos: em todo o grupo social, começando pela família, a função do sistema normativo nunca foi apenas a de prevenir e reprimir as condutas dissidentes, ou impedir o surgimento de conflitos e facilitar a sua composição depois de eles terem surgido, mas também a de repartir os recursos disponíveis. O que retardou a percepção dessa necessária imbricação do Direito com a Economia foi a concepção privatista da economia e a correspondente concepção negativa do Direito.
Segundo a concepção privatista da economia, a distribuição dos bens se produz na esfera das relações entre indivíduos ou grupos em concorrência entre si, e o Direito teria unicamente a função de facilitar o estabelecimento dessas relações, de garantir sua continuidade e segurança, e de impedir a fraude recíproca.
Esta concepção privatista do Direito está estreitamente ligada à concepção negativa do Estado, segundo a qual o Estado não deve ter ingerência nas relações econômicas e, portanto, sua função deve ser, exclusivamente, a de prover a manutenção da ordem através de normas imperativas e coercitivas.
Assinala BOBBIO que os Autores, em geral, ao traçar as características diferenciais do Direito, colocam-no, tradicionalmente, , em confronto com a Moral, e não com a Economia, demonstrando, assim, que o Direito e a Moral são considerados duas espécies do mesmo gênero, isto é, do gênero das normas de conduta que tem primariamente a função de garantir a estabilidade e a segurança das relações interindividuais, o que não ocorreria com a Economia A doutrina de JHERING ( 1818-1892 ), exposta no Zweck im Recht,36 expressa bem essa ideologia.
Embora reconhecendo, no que diz respeito à sociedade do seu tempo, a importância da recompensa, IHERING circunscreve a sua eficácia à esfera das relações de comércio privado. A esfera da atividade econômica é, portanto, nitidiamente diferenciada da esfera da atividade política. A mola propulsora da sociedade econômica seria a recompensa; enquanto a propulsão da sociedade política caberia à pena.
Essa visão - com a peculiariedade de vislumbrar uma esfera de aplicação predominante das recompensas e uma esfera de aplicação predominante das penas - reproduz a distinção hegeliana entre sociedade civil e Estado, que, para BOBBIO, reflete a cisão entre esfera dos interesses econômicos e esfera dos interesses políticos, entre condição de burguês e condição de cidadão, característica da incipiente sociedade industrial. A concepção repressiva do Direito consistiria num modelo teórico que permite representar um determinado tipo histórico de sociedade, a sociedade na qual a atividade econômica permanece afastada, ou se deseja que fique cada vez mais afastada, da intervenção do poder político.
Influenciados pelo materialismo histórico alguns Autores trataram a relação entre Economia e Direito de modo ainda mais esquemático, como se ela nada mais fosse do que a relação entre matéria e forma BOBBIO critica esse modo de ver o Direito, como forma das relações sociais, sobretudo das econômicas, e lembra, inclusive, que KELSEN não incorre nesse erro, uma vez que não se descuidou, por inteiro, do aspecto funcional, inclusive ao definir o Direito como uma "técnica específica da organização social", e um "ordenamento para a promoção da paz."
Capítulo 4
Sanções positivas
A idéia de que a função do Estado seria exclusivamente a de organizar o aparato da coação, está ligada, portanto, à concepção negativa do Estado, própria das diversas correntes do liberalismo clássico, do qual um dos aspectos essenciais era a subtração da atividade econômica da ingerência do Estado, ou a "privatização" da Economia.
A distinção de JHERING entre organização das relações econômicas, onde atua o estímulo do lucro, e a organização das relações jurídicas, onde opera o estímulo da coação, deixa transparecer claramente essa distinção entre uma esfera de relações naturais, cuja expansão devia ser permitida até que não chegassem a ser socialmente nocivas, e uma esfera de relações reguladas coercitivamente pela autoridade política dominante, e portanto, até um certo ponto, artificiais ou convencionais. Por isso ele definia a esfera econômica como "a organização que tende a assegurar a satisfação das necessidades humanas, valendo-se do estímulo do lucro" afirmando ser essa organização, "como talvez nenhum outro setor do mundo humano, o produto natural do livre desenvolvimento dos fins".
Na esfera das relações econômicas, o móvel prevalecente e caracterizante da conduta seria, pois, a recompensa, enquanto na esfera das relações político-jurídicas, o móvel prevalecente e caracterizante, seria a coação; distinção essa que se conecta com a imagem de uma sociedade na qual a atividade econômica primária, a atividade da produção de bens, compete, preferentemente, aos particulares, enquanto ao Estado corresponde, essencialmente, a organização da força, isto é, a produção de um serviço indispensável à coexistência, a coesão e a integração do grupo social.
Essa imagem, contudo, como observa BOBBIO, não correspondeu, jamais, inteiramente à realidade, nem mesmo nos momentos de maior expansão econômica da sociedade civil ou burguesa ( que é, ao mesmo tempo, também a sociedade privada ou das relações privadas). E a partir do momento em que o Estado estendeu sua atividade à produção de outros serviços, além daqueles referentes à organização da coação, e passou a prover também, direta ou indiretamente à produção de bens, ficou claro que essa imagem era falsa, e se ela era falsa, surgiu a suspeita de que também deve ser revista a distinção que coloca as recompensas e as penas em dois campos separados, e que está associada a tal imagem.
Com efeito, se é verdade que a recompensa é o meio de que, para determinar a conduta de outrem, utilizam-se aqueles que dispõem de recursos econômicos, segue-se daí que o Estado, na medida em que disponha de recursos econômicos cada vez mais amplos, estará em condições de determinar a conduta das pessoas, não apenas através do exercício da coação, mas, também, com vantagens de ordem econômica, isto é, poderá desempenhar uma função não apenas dissuasória, mas, também promotora ou promocional.
Nas constituições liberais clássicas a principal função do Estado era a de tutelar ( ou garantir ); nas constituições pósliberais, ao lado da função de tutela ou garantia aparece, cada vez mais freqüentemente, a de promover.
Segundo BOBBIO, a função promocional do Direito manifesta-se na promessa de uma vantagem ( de índole econômica ) para uma ação desejada, em vez de ameaçar com um mal para uma ação: quer dizer, manifesta-se, cada vez mais freqüente, o expediente das sanções positivas.
Quando o Estado pretende estimular certas atividades, particularmente as econômicas, vale-se cada mais amiúde do procedimento de incentivo, ou de prêmio, quer dizer, do procedimento da sanção positiva. A principal diferença entre a técnica do incentivo e a tradicional sanção negativa está, precisamente, no fato de que o comportamento que tem conseqüências jurídicas não é a inobservância, mas a observância.
O Direito teria, assim, para BOBBIO uma função também promotora, ou, melhor dizendo, de "direção", encorajando as condutas socialmente úteis através de estímulos positivos, e não só pela retribuição negativa consistente na sanção típica. Além de títulos e medalhas excepcionalmente conferidos como premio, como pensavam IHERING e KELSEN, a ordem jurídica, atualmente, atribuiria incentivos de outra ordem, especialmente econômicos.
Capítulo 5
Descentralização das sanções
Sem embargo do encanto que a leitura dos textos de BOBBIO sempre nos causa, é difícil, a meu ver, sustentar a noção bobbiana de sanção positiva.
Não é apenas o Estado que –centralizadamente - pode usar seus recursos econômicos para obter das pessoas certas condutas: as empresas e as próprias pessoas, que tenham acumulado previamente peças monetárias, podem fazer o mesmo, e o fazem – descentralizadamente - a toda hora, e, nem por isso, se diz que elas estejam praticando recompensas ou aplicando sanções positivas.
Ademais, as "recompensas" a que alude KELSEN não têm caráter econômico, não correspondendo, assim, às "recompensas" de que trata BOBBIO,41 que lhes atribui, explicitamente, em certos casos, um conteúdo pecuniário ( ele usa a expressão "compensação em dinheiro"). A teoria kelseniana, inspirada nas lições de IHERING, não autoriza, portanto, a que se promova a identificação das "recompensas" com as sanções positivas de caráter pecuniário; nem mesmo que se cogite sequer de sanções positivas, como lembra o próprio BOBBIO, ao dizer não só que o "nexo entre coercibilidade do direito e o emprego de sanções negativas é muito estreito" na obra de KELSEN42, como ao salientar que aqueles para quem " a sanção jurídica consiste no uso da força, pelo que seriam sanções jurídicas apenas a pena e a execução forçada, fica obrigado, mesmo que não se dê conta, a excluir as sanções positivas da categoria das sanções jurídicas As sanções positivas de BOBBIO pouco têm a ver, por outro lado, com as sanções dos preços, ou dos custos, de que fala a Análise Econômica do Direito que, na verdade, revestem-se da forma negativa.
Ao invéz de falar-se em sanções positivaks, ou em preços como sanções, o que deve ser levado em conta, a meu ver, é, por um lado, o caráter centralizado das sanções em geral, típico dos ordenamentos jurídicos tradicionais; e, de outro, a modalidade descentralizada das sanções monetárias, que caracteriza do ordenamento jurídico econômico contemporâneo.
A sanção descentralizada a que me refiro corresponde ao que a doutrina usualmente designa como poder liberatório – isto é, a transferência compulsória de mãos do dinheiro do devedor para o credor com a finalidade de aquele liberar-se de uma obrigação. Essa transferência de mãos – seja diretamente, seja indiretamente, através dos instrumentos de crédito – não tem, por si só, o caráter de sanção descentralizada. Ela assume tal feição, apenas, quando se destina a liberar, compulsoriamente, o devedor, da obrigação O fato de o exercício da sanção descentralizada não exigir o uso da força física não a desfigura como sanção.
Embora não imponha, num primeiro momento, o uso da força física, a sanção descentralizada não exclui de todo esse uso, uma vez que ela é, por assim dizer, um estágio "anterior" ao uso da força, que sofre drástica limitação quantitativa, pois o poder liberatório só pode ser exercido por aqueles que tenham acumulado, em número suficiente, as peças monetárias emitidas pelo governo, e enquanto dispuserem dessas peças monetárias ( ou dos créditos delas decorrentes): o emprego da sanção descentralizada torna-se impossível quando a pessoa não mais detém moeda, voltando a incidir, nesse caso, as sanções "negativas" que caracterizam a ordem jurídica tradicional.
A noção de descentralização não entra em choque com a tendência irresistível de o Estado moderno centralizar a aplicação das sanções, mantendo o monopólio do uso da força física: primeiro, porque a aplicação descentralizada dessas sanções não se reveste, num primeiro momento, do caráter de violência (e não fere, portanto, o monopólio do uso daforça física); depois, porque o Estado preserva o monopólio de emissão das peças monetárias, em quantidades limitadas, reservando-se, assim, indiretamente, o monopólio da sanção.
E possível explicar as tradicionais funções econômicas da moeda a partir da noção jurídica de sanção descentralizada.
Para exercer as sanções descentralizadas as pessoas devem acumular, previamente, peças monetárias. A sanção monetária estimula, portanto, a obtenção de peças monetárias ( ou meios de pagamento ).
Tendo acumulado as peças monetárias, mas não necessitando, no momento, utilizá-las para exercer a sanção monetária, as pessoas podem "trocar" essas peças monetárias por mercadorias, ou por outras peças monetárias pertencentes a um ordenamento monetário estrangeiro. Daí porque se diz que a moeda, ao lado da função de meio de pagamento, tem também a função de meio de troca.
Decorrência da função meio de troca é a função reserva de valor.
Se as peças monetárias acumuladas, que não estão sendo usadas com a função de liberar o devedor de obrigações, podem ser trocadas por mercadorias, ou por outras peças monetárias, quanto mais peças monetárias "livres" a pessoa tiver em seu poder maior quantidade de mercadorias ( ou de moedas estrangeiras ) ela pode adquirir: de mais "valor" portanto ( isto é, de mais poder aquisitivo ) ela disporá.
Para que o devedor possa se liberar da obrigação, é, por outro lado, indispensável que essa obrigação seja de uma importância expressa em unidade monetária que seja idêntica à da peça monetária que vai ser empregada no exercício do poder liberatório. A unidade de conta de ambas essas quantias - tanto a que figura nas peças monetárias, como a que figura na obrigação - deve ser, portanto, a mesma. Sob esse aspecto diz-se que a moeda é uma medida de valor.
As funções econômicas da moeda desenvolvem-se numa estrutura jurídica. Ao falar em meio de pagamento, estamos pressupondo os conceitos jurídicos de pagamento, e de obrigação. Ao nos referirmos a meio de troca, estamos pressupondo os conceitos jurídicos de contrato, de compra e venda, e de câmbio.
As funções econômicas da moeda só têm sentido, portanto, quando referidas a uma estrutura jurídica, a um ordenamento jurídico.
Capítulo 6
O ato jurídico da emissão
A idéia da Economia como esfera de relações naturais, distinta da esfera das relações reguladas coercitivamente pela autoridade política decorre, também, a meu ver, da noção de moeda como "coisa natural".
Pensa-se, usualmente, a moeda apenas como peça monetária e, nessa qualidade, como produto da natureza, suscetível de ser permutada por outras coisas, ou mercadorias, através de trocas que ocorreriam, naturalmente, na esfera econômica.
Essa noção da peça monetária como coisa natural resulta da observação empírica de que, ao longo dos séculos, várias e diferentes coisas, muitas delas consideradas por nós, atualmente, como pitorescas, têm sido, efetivamente, utilizadas como peças monetárias.
Era difícil superar essa falsa noção nos tempos em que as peças monetárias, sendo de metal, eram "batidas", ou "cunhadas", o que dava a impressão, aparente e superficial, de que elas teriam existência prévia à sua "disciplina pelo ordenamento"Hoje, contudo, quando todo o dinheiro em circulação é papel-moeda, torna-se bem mais fácil convencer as pessoas de que o meio circulante é composto exclusivamente de peças monetárias emitidas pelos governos.
Ainda assim, muito se surpreendem quando se confrontam, pela primeira vez, com essa afirmação, e, mais ainda, quando lêem na denominação de um capítulo que a emissão é um ato jurídico; mas ela é um ato jurídico, na medida em que é um ato de vontade, de competência do Estado, cujo sentido é atribuído por uma norma monetária geral – a moeda nacional – que constitui, por sua vez, um valor.
A moeda nacional, como norma geral, tanto atribui significado monetário aos atos jurídicos praticados pelas pessoas, como aos atos jurídicos praticados pelo próprio Estado, dentre os quais, nesse último caso, o mais relevante é, precisamente, o ato jurídico da emissão.
A emissão é uma quantificação, que se perfaz através da aposição de uma cifra em cada peça monetária, e de sua colocação em circulação, em momentos diversos. Ao promover essa quantificação, o Banco Central define o conteúdo da moeda nacional, que deve referir-se à atividade econômica das pessoas na sociedade.
Sem a emissão, as pessoas não poderiam acumular as peças monetárias, nem, consequentemente, exercer as funções da moeda, de meio de pagamento e de medida de valor.
Por meio da emissão o Estado controla, indiretamente, o exercício das sanções descentralizadas. Mas a justa distribuição das peças monetárias não decorre diretamente da emissão, sendo um outro problema, de natureza predominantemente política.
Capítulo 7
O Ordenamento monetário
As normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si - que se denomina ordenamento Se sanção jurídica é, somente, aquela institucionalizada, isso significa que, para que haja normas, é necessário que haja, grande ou pequena, uma organização, isto é, um completo sistema normativo.
Sendo assim, para definir a norma jurídica bastará dizer que se trata daquela que pertence a um ordenamento jurídico, transferindo, com isso, o problema da determinação do significado de "jurídico" da norma para o ordenamento. Fica mais fácil compreender, diante disso, porque a moeda e as obrigações monetárias são normas jurídicas: elas são normas jurídicas porque integram o ordenamento monetário, que é um ordenamento jurídico O ordenamento monetário estrutura-se, escalonadamente, sob a égide moeda nacional, que constitui o fundamento de todos os preços vigentes na ordem jurídica, podendo-se dizer, pois, que os preços ( e as demais quantias, que figuram nos atos jurídicos em geral, inclusive na emissão) são normas monetárias hierarquicamente subordinados à moeda nacional.
Modernamente, a moeda nacional tem nível constitucional, sem o que, de resto, não teria força para aplicar-se à emissão, e a outras normas jurídicas de nível legal ( como o orçamento, por exemplo ).
A moeda, como norma geral, aplica-se mesmo que a pessoa não disponha de peças monetárias, pois ela é um prius diante da emissão. O que a pessoa não pode, se não dispuser da moeda emitida, é exercer a sanção descentralizada, uma vez que, se pudesse, estaria sendo violado o monopólio da emissão, e, indiretamente, da sanção.
O ordenamento jurídico-monetário tem um caráter dinâmico, e não estático: a aplicação da moeda é, portanto - pelo menos em certa medida - a criação de um novo conteúdo monetário. Pode-se dizer, nesse sentido, que as pessoas "criam" moeda, embora, repita-se, não possam emitir peças monetárias, o que é monopólio do governo. Há uma tensão permanente entre a "criação" da moeda ( e do crédito), pela iniciativa particular, e a emissão da moeda, de iniciativa exclusiva do governo.
Refiro-me a normas monetárias como normas de conduta, e não como normas de organização, e nisso afasto-me da doutrina tradicional, que, quando usa a expressão, fá-lo para se referir às regras externas aos mercados, e não ao dinheiro em si.
As normas que integram o ordenamento monetário são, essencialmente, normas primárias, e não normas secundárias, cujo conteúdo é uma conduta humana.
Capítulo 8
A recepção do ordenamento monetário pelo ordenamento jurídico
Os ordenamentos jurídicos complexos resultam de uma estratificação secular de ordenamentos diversos, a princípio independentes uns dos outros e depois, pouco a pouco, absorvidos e amalgamados no ordenamento estatal único vigente.
Um dos processos através do qual, segundo BOBBIO, ocorre esta estratificação é o procedimento de absorção de um ordenamento jurídico por parte de um outro por meio do fenômeno da recepção.
No relacionamento entre Estado e ordenamentos menores, um típico exemplo de recepção, na lição de BOBBIO, é o de partes do ordenamento estatal, que originariamente eram ordenamentos parciais, surgidos em comunidades com interesses e finalidades particulares ( tal como ocorre com o Direito comercial ou o Direito da navegação) , os quais, no início, e durante longos séculos, foram o produto da atividade independente dos comerciantes e dos navegadores e, depois, pouco a pouco, introduzidos e integrados no ordenamento estatal único, com a progressiva ampliação e reforço do monopólio jurídico do Estado.
Esse mesmo fenômeno da recepção ocorreu, a meu ver, no que se refere ao antigos ordenamentos monetários que, na Idade Moderna, foram recebidos pelos ordenamenos jurídicos nacionais.
Antes da Idade Moderna havia ordenamentos monetários bastante primitivos, com características internacionais, baseados nos "valores intrínsecos" das peças monetárias de metal.
Para uniformizar esses diversos valores intrínsecos, idealizou-se, num primeiro momento, uma moeda imaginária que consistia numa regra aritmética, que tinha suas raízes numa tradição que vinha desde os tempos de Carlos Magno ( 742-814) , segundo a qual
uma libra era igual a vinte soldos que, por sua vez, equivalia a 240 dinheiros. Aplicava-se essa equivalência a uma variedade imensa de moedas, sem muita racionalidade, mas, mesmo assim, pondo alguma ordem entre as multiformes moedas em circulação dentro de um mesmo território.
Com o desenvolvimento da atividade econômica a "moeda imaginária" mostrou-se insuficiente para garantir a estabilidade dos contratos, dando ensejo ao surgimento de cláusulas contratuais (especialmente as cláusulas ouro e valor ouro ) através das quais os credores procuravam assegurar a manutenção do poder aquisitivo de seus créditos ao longo do tempo.
No início do século XVI os litígios judiciais em torno da aplicação dessas cláusulas eram inúmeros, e intermináveis, o que levou um famoso advogado francês, CHARLES DUMOULIN, considerado o "príncipe dos juristas" daquele século, a formular a primeira teoria jurídica da moeda, segundo a qual o valor intrínseco nada mais devia ser do que o seu valor extrínseco.
Segundo ASCARELLI o momento relevante da afirmação dessa doutrina, que passou a ser conhecida como "nominalismo", foi a passagem da contagem por escudos, à contagem por libras, não só na prática contratual como na correspondente interpretação doutrinária e jurisprudencial francesas.
A partir de então, na determinação da dívida, já não se devia fazer referência a determinado número de peças monetárias ( como eram os escudos na França ), mas à uma "moeda imaginária", (como era a libra ) à qual, correspondiam determinadas quantidades de peças monetárias efetivamente em circulação; ao determinar, pois, "quantas" peças monetárias deveriam corresponder à quantidade de moedas "imaginárias" estipuladas, tinha-se em vista o momento do pagamento, cabendo, em consequência, ao credor suportar o risco da variação do poder aquisitivo de tais peças monetárias diante das regras estabelecidas pela moeda imaginária, no período compreendido entre a constituição e o pagamento da dívida.
Ao promover a recepção dos diversos ordenamentos monetários anteriores ( até então de caráter internacional) os ordenamentos jurídicos nacionais dos modernos Estados centralizados "domaram", por assim dizer, os valores monetários, que não deveriam ser mais aqueles que decorriam do peso real das peças monetárias, mas sim aqueles que resultavam de regras jurídicas.
Na Idade Moderna, enfim, os valores monetários tornaram-se normas jurídicas, já que passaram a integrar, formalmente, os ordenamentos jurídicos nacionais.
Capítulo 9
Conceito de Valor Nominal
conceito de valor nominal diz respeito à validade da moeda e das obrigações monetárias; enquanto a noção de poder aquisitivo refere-se à eficácia das mesmas.
O fato de afirmar-se que a moeda constitui um valor nominal não significa, pois, de nenhum modo, que se esteja querendo dizer que o fenômeno da variação do poder aquisitivo das obrigações não deva ser levado em linha de conta pelo jurista: o valor nominal não equivale, portanto, à irrelevância jurídica da variação do poder aquisitivo das obrigações.
O valor nominal, para os juristas, é o reconhecimento da correlação que existe entre os conceitos de norma e de valor.
Como salienta KELSEN, toda a conduta humana vem sempre acompanhada por um juízo de valor, ou seja, de que a conduta em concordância com a ordem é "boa", enquanto que a contrária é "má".
Uma norma objetivamente válida, que fixa uma conduta como devida,constitui, portanto, um valor, positivo ou negativo. A conduta que corresponde à norma tem um valor positivo, a conduta que contraria a norma tem um valor negativo. A norma considerada como objetivamente válida funciona, pois, como medida de valor relativamente à conduta real consistindo num esquema de interpretação da realidade.
Norma e valor são, assim, conceitos correlativos. Tanto o valor, como a norma, destinam-se a possibilitar uma avaliação da realidade. Se, ao promovermos essa avaliação da realidade, usamos palavras, estamos diante de uma norma jurídica. Se usamos números – ou, mais exatamente, quantias estamos diante de um valor monetário, ou – como a moeda emitida integra a ordem jurídica monetária – de uma norma monetária. A norma monetária é um valor nominal, que atribui sentido ao ato jurídico da emissão, e aos demais atos jurídicos monetários que se praticam na sociedade.
Foi o conceito de valor nominal que permitiu que a moeda passasse a integrar, disciplinadamente, os ordenamentos jurídicos nacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do que até agora exposto é possível tirar algumas conclusões.
Parece fora de dúvida que Direito e Economia não devem continuar separados, e que a sua integração passa, num primeiro momento, pelo conceito de sanção.
Com o largo emprego da moeda, a noção clássica de sanção sofreu uma transformação, referindo-se, alguns, às sanções positivas; outros aos preços, ou custos, como sanções, e outros, enfim, como é o meu caso, a sanções descentralizadas.
Tanto na hipótese das sanções positivas, porém, como ao cogitar-se de preços como sanções, está sendo sempre pressuposta a moeda, sem a qual não se poderia falar nem em "positividade"da sanção, nem em "preços" – e menos ainda em sanção descentralizada.
O fundamental elemento de ligação entre o Direito e a Economia não é, portanto, a sanção ( positiva, dos preços, ou descentralizada ), mas a moeda.
Todas as diversas disciplinas jurídicas, que procuram tratar, ao mesmo tempo, do Direito e da Economia, podem reunir-se, portanto, sob a égide de uma doutrina – a Economia Jurídica - que parta do princípio de que a moeda é uma norma jurídica primária.