LIVRO A RIQUEZA DAS NAÇÕES - Adam Smith

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    A Riqueza das Nações

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A RIQUEZA DAS NAÇÕES
Adam Smith

Primeiro Volume - Livro Primeiro - Capítulo I a VI
(Do livro: "A Riqueza das Nações", Adam Smith, volume I, Nova Cultural, 1988,
Coleção "Os Economistas", pág. 17-54)

 

                                                   CAPÍTULO I
                                            A divisão do trabalho
O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da
habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do trabalho.
Compreenderemos mais facilmente os efeitos produzidos pela divisão do trabalho na economia geral da sociedade, se considerarmos de que maneira essa divisão do trabalho opera em algumas manufaturas específicas. É comum supor que a divisão do trabalho atinge o grau máximo em algumas manufaturas muito pequenas; não, talvez, no sentido de que nessas a divisão do trabalho seja maior do que em outras de maior importância; acontece, porém, que nessas manufaturas menores, destinadas a suprir as pequenas necessidades de um número pequeno de pessoas o número total de trabalhadores é necessariamente menor, e os trabalhadores empregados em cada setor de trabalho multas vezes podem ser reunidos no mesmo local de trabalho e colocados imediatamente sob a perspectiva do espectador.
Ao contrário, nas grandes manufaturas, destinadas a suprir as grandes necessidades de todo o povo, cada setor do trabalho emprega um número tão grande de operários que é impossível reuni-los todos no mesmo local de trabalho. Raramente podemos, em um só momento, observar mais do que os operários ocupados em um único setor. Embora, portanto, nessas manufaturas maiores, o trabalho possa ser dividido em um número de partes muito maior do que nas manufaturas menores, a divisão do trabalho não é tão óbvia, de imediato, e por isso tem sido menos observada. Tomemos, pois, um exemplo, tirado de uma manufatura muito pequena, mas na qual a divisão do trabalho multas vezes tem sido notada: a fabricação de alfinetes. Um operário não treinado para essa atividade (que a divisão do trabalho transformou em uma indústria específica) nem familiarizado com a utilização das máquinas ali empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do trabalho), dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte.
Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial.
Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o
mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas.
Vi uma pequena manufatura desse tipo, com apenas 10 empregados, e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes. Mas, embora não fossem muito hábeis, e portanto não estivessem particularmente treinados para o uso das máquinas, conseguiam, quando se esforçavam, fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia.
Ora, 1 libra contém mais do que 4 mil alfinetes de tamanho médio. Por conseguinte, essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia.
Assim, já que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4 800 alfinetes diariamente.
Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo 1, ou seja: com certeza não conseguiria produzir a 240ª parte, e talvez nem mesmo a 4 800ª parte daquilo que hoje são capazes de produzir, em virtude de uma adequada divisão do trabalho e combinação de suas diferentes operações.
Em qualquer outro ofício e manufatura, os efeitos da divisão do trabalho são
semelhantes dos que se verificam nessa fábrica insignificante embora em muitas delas o trabalho não possa ser tão subdividido, nem reduzido a uma simplicidade tão grande de operações. A divisão do trabalho, na medida em que pode ser introduzida, gera, em cada oficio, um aumento proporcional das forças produtivas do trabalho. A diferenciação das ocupações e empregos parece haver-se efetuado em decorrência dessa vantagem. Essa diferenciação, aliás, geralmente atinge o máximo nos países que se caracterizam pelo mais alto grau da evolução, no tocante ao trabalho e aprimoramento; o que, em uma sociedade em estágio primitivo, é o trabalho de uma única pessoa, é o de várias em uma sociedade mais evoluída.
Em toda sociedade desenvolvida, o agricultor geralmente é apenas agricultor, e o operário de indústria somente isso. Também o trabalho que é necessário para fabricar um produto completo quase sempre é dividido entre grande número de operários.
Quantas são as atividades e empregos em cada setor da manufatura do linho e da lã, desde os cultivadores até os branqueadores e os polidores do linho, ou os tingidores e preparadores do tecido! A natureza da agricultura não comporta tantas subdivisões do trabalho, nem uma diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto ocorre nas manufaturas. E impossível separar com tanta nitidez a atividade do pastoreador da do cultivador de trigo quanto a atividade do carpinteiro geralmente se diferencia da do ferreiro.
Quase sempre o fiandeiro é uma pessoa, o tecelão, outra, ao passo que o arador, o gradador, o semeador e o que faz a colheita do trigo muitas vezes são a mesma pessoa.
Já que as oportunidades para esses diversos tipos de trabalho só retornam com as diferentes estações do ano, é impossível empregar constantemente um único homem em cada uma delas. Essa impossibillidade de fazer uma diferenciação tão completa e plena de todos os diversos setores de trabalho empregados na agricultura constitui talvez a razão por que o aprimoramento das forças produtivas do trabalho nesse setor nem sempre acompanha os aprimoramentos alcançados nas manufaturas.
As nações mais opulentas geralmente superam todos os seus vizinhos tanto na
agricultura como nas manufaturas; geralmente, porém distinguem-se mais pela
superioridade na manufatura do que pela superioridade na agricultura. Suas terras geralmente são mais bem cultivadas, e, pelo fato de investirem mais trabalho e mais dinheiro nelas produzem mais em proporção à extensão e à fertilidade natural do solo.
Entretanto, essa superioridade da produção raramente é muito mais do que em
proporção à superioridade de trabalho e dispêndio.
Na agricultura, o trabalho do país rico nem sempre é muito mais produtivo do que o dos países pobres, ou, pelo menos, nunca é mais produtivo na mesma proporção em que o é, geralmente, nas manufaturas. Por conseguinte, o trigo do país rico, da mesma qualidade, nem sempre chega ao mercado com preço mais baixo do que o do país pobre. O trigo da Polônia, com o mesmo grau de qualidade, é tão barato como o da França, não obstante a maior riqueza e o grau superior de desenvolvimento da França. O trigo da França é, nas províncias tritícolas, tão bom e freqüentemente quase do mesmo preço que o trigo da Inglaterra, embora, em riqueza e progresso, a França talvez seja inferior à Inglaterra. As terras destinadas ao cultivo de trigo na Inglaterra são mais bem cultivadas do que as da França, e, como se afirma, as da França são muito mais bem cultivadas que as da Polônia.
Todavia, embora um pais pobre, não obstante a inferioridade no cultivo das terras, possa, até certo ponto, rivalizar com os países ricos quanto aos baixos preços e à qualidade do trigo, jamais poderá enfrentar a competição no tocante às suas manufaturas; ao menos se essas indústrias atenderem às características do solo, do clima e da situação do país rico. As sedas da França são melhores e mais baratas que as da Inglaterra, porque a manufatura da seda, ao menos atualmente, com os altos incidentes sobre a importação da seda em estado bruto, não é tão adequada para o clima da Inglaterra como o é para o da França. Em contrapartida, as ferragens de ferro e as lãs rústicas da Inglaterra são de uma superioridade incomparável em relação às da França, e também muito mais baratas, no mesmo grau de qualidade. Na Polônia, afirma-se não haver praticamente manufatura de espécie alguma, excetuadas algumas indústrias caseiras, de tipo mais primitivo, com as quais nenhum país consegue subsistir.
Esse grande aumento da quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de realizar, é devido a três circunstâncias distintas: em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em segundo, à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um tipo de trabalho para outro; finalmente, à invenção de um grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa fazer o trabalho que, de outra forma, teria que ser feito por muitas.
Em primeiro lugar, vejamos como o aprimoramento da destreza do operário
necessariamente aumenta a quantidade de serviço que ele pode realizar; a divisão do trabalho, reduzindo a atividade de cada pessoa a alguma operação simples e fazendo dela o único emprego de sua vida, necessariamente aumenta muito a destreza do operário. Estou certo de que um ferreiro comum que, embora acostumado a manejar o martelo, nunca fez pregos, se em alguma ocasião precisar e tentar fazê-lo, dificilmente conseguirá ir além de 200 ou 300 pregos por dia, aliás de muito má qualidade. Um ferreiro que está acostumado a fazer pregos, mas cuja única ou principal atividade não tem sido esta, raramente conseguirá, mesmo com o esforço máximo, fazer mais do que 800 ou 1000 pregos por dia.
Tenho visto, porém, vários rapazes abaixo dos vinte anos que nunca fizeram outra coisa senão fabricar pregos e que, quando se empenhavam a fundo, conseguiam fazer, cada um deles, mais de 2 300 pregos por dia. E, no entanto, fazer pregos não é de forma alguma das operações mais simples. A mesma pessoa aciona o fole, atiça ou melhora o fogo quando necessário, aquece o ferro, e forja cada segmento do prego; ao forjar a cabeça do prego, é obrigada a mudar de ferramentas. As diferentes operações em que se subdivide a fabricação de um alfinete ou de um botão metálico são todas elas muito mais simples, sendo geralmente muito maior a destreza da pessoa que sempre fez isso na vida. A rapidez com a qual são executadas algumas das operações dessas manufaturas supera o que uma pessoa que nunca o presenciou acreditaria possível de ser conseguido pelo trabalho manual.
Em segundo lugar, a vantagem que se aufere economizando o tempo que geralmente se perderia no passar de um tipo de trabalho para o outro é muito maior do que à primeira vista poderíamos imaginar. E impossível passar com muita rapidez de um tipo de trabalho para outro, porque este é executado em lugar diferente e com ferramentas muito diversas. Um tecelão do campo, que cultiva uma pequena propriedade, é obrigado a gastar bastante tempo em passar do seu tear para o campo, e do campo para o tear. Se os dois trabalhos puderem ser executados no mesmo local, certamente a perda de tempo é muito menor. Mas, mesmo nesse caso, ela ainda é muito considerável.
Geralmente, uma pessoa se desconcerta um pouco ao passar de um tipo de trabalho para outro. Ao começar o novo trabalho, raramente ela se dedica logo com entusiasmo; sua cabeça "está em outra", como se diz, e, durante algum tempo ela mais fiaria do que trabalha seriamente. O hábito de vadiar e de aplicar-se ao trabalho indolente e descuidadamente adquiridos naturalmente - e quase necessariamente - por todo trabalhador do campo que é obrigado a mudar de trabalho e de ferramentas a cada meia hora e a fazer vinte trabalhos diferentes a cada dia, durante a vida toda, quase sempre o torna indolente e preguiçoso, além de fazê-lo incapaz de aplicar-se com intensidade, mesmo nas ocasiões de maior urgência. Independentemente, portanto, de sua deficiência
no tocante à destreza ou rapidez, essa razão é suficiente para reduzir sempre e
consideravelmente a quantidade de trabalho que ele é capaz de levar a cabo.
Em terceiro - e último lugar - precisamos todos tomar consciência de quanto o trabalho é facilitado e abreviado pela utilização de máquinas adequadas. E desnecessário citar exemplos. Limitar-me-ei, portanto, a observar que a invenção de todas essas máquinas que tanto facilitam e abreviam o trabalho parece ter sua origem na divisão do trabalho.
As pessoas têm muito maior probabilidade de descobrir com maior facilidade e rapidez métodos para atingir um objetivo quando toda a sua atenção está dirigida para esse objeto único, do que quando a mente se ocupa com uma grande variedade de coisas.
Mas, em conseqüência da divisão do trabalho, toda a atenção de uma pessoa é
naturalmente dirigida para um único objeto muito simples. Eis por que é natural
podermos esperar que uma ou outra das pessoas ocupadas em cada setor de trabalho específico logo acabe descobrindo métodos mais fáceis e mais rápidos de executar seu trabalho específico, sempre que a natureza do trabalho comporte tal melhoria. Grande parte das máquinas utilizadas nas manufaturas em que o trabalho está mais subdividido constituiu originalmente invenções de operários comuns, os quais, com naturalidade, se preocuparam em concentrar sua atenção na procura de métodos para executar suai função com maior facilidade e rapidez, estando cada um deles empregado em alguma operação muito simples.
Quem quer que esteja habituado a visitar tais manufaturas deve ter visto muitas vezes máquinas excelentes que eram invenção desses operários, a fim de facilitar e apressar a sua própria tarefa no trabalho. Nas primeiras bombas de incêndio um rapaz estava constantemente entretido em abrir e fechar alternadamente a comunicação existente entre a caldeira e o cilindro, conforme o pistão subia ou descia. Um desses rapazes, que gostava de brincar com seus companheiros, observou que, puxando com um barbante a partir da alavanca da válvula que abria essa comunicação com um outro componente da máquina, a válvula poderia abrir e fechar sem ajuda dele, deixando-o livre para divertirse
com seus colegas. Assim, um dos maiores aperfeiçoamentos introduzidos nessa
máquina, desde que ela foi inventada, foi descoberto por um rapaz que queria poupar-se no próprio trabalho.
Contudo, nem todos os aperfeiçoamentos introduzidos em máquinas representam invenções por parte daqueles que utilizavam essas máquinas. Muitos deles foram efetuados pelo engenho dos fabricantes das máquinas, quando a fabricação de máquinas passou a constituir uma profissão específica; alguns desses aperfeiçoamentos foram obra de pessoas denominadas filósofos ou pesquisadores, cujo ofício não é fazer as coisas, mas observar cada coisa, e que, por essa razão, muitas vezes são capazes de combinar entre si as forças e poderes dos objetos mais distantes e diferentes.
Com o progresso da sociedade, a filosofia ou pesquisa torna-se, como qualquer ofício, a ocupação principal ou exclusiva de uma categoria específica de pessoas. Como qualquer outro ofício, também esse está subdividido em grande número de setores ou áreas diferentes, cada uma das quais oferece trabalho a uma categoria especial de filósofos; e essa subdivisão do trabalho filosófico, da mesma forma como em qualquer outra ocupação, melhora e aperfeiçoa a destreza e proporciona economia de tempo. Cada indivíduo torna-se mais hábil em seu setor específico, o volume de trabalho produzido é maior, aumentando também consideravelmente o cabedal científico.
É a grande multiplicação das produções de todos os diversos ofícios - multiplicação essa decorrente da divisão do trabalho - que gera, em uma sociedade bem dirigida, aquela riqueza universal que se estende até às camadas mais baixas do povo. Cada trabalhador tem para vender uma grande quantidade do seu próprio trabalho, além daquela de que ele mesmo necessita; e pelo fato de todos os outros trabalhadores estarem exatamente na mesma situação, pode ele trocar grande parte de seus próprios bens por uma grande quantidade, ou - o que é a mesma coisa - pelo preço de grande quantidade de bens desses outros. Fornece-lhes em abundância aquilo de que carecem, e estes, por sua vez, com a mesma abundância, lhe fornecem aquilo de que ele necessita; assim é que em todas as camadas da sociedade se difunde uma abundância geral de bens.
Observe-se a moradia do artesão ou diarista mais comum em um país civilizado e florescente, e se notará que é impossível calcular o número de pessoas que contribui com uma parcela - ainda que reduzida -de seu trabalho, para suprir as necessidades deste operário. O casaco de lã, por exemplo, que o trabalhador usa para agasalhar-se, por mais rude que seja, é o produto do trabalho conjugado de uma grande multidão de trabalhadores. O pastor, o selecionador de lã, o cardador, o tintureiro, o fiandeiro, a tecelão, o pisoeiro, o confeccionador de roupas, além de muitos outros, todos eles precisam contribuir com suas profissões específicas para fabricar esse produto tão comum de uso diário. Calcule-se agora quantos comerciantes e carregadores, além dos trabalhadores já citados, devem ter contribuído para transportar essa matéria-prima do local onde trabalham alguns para os locais onde trabalham outros, quando muitas vezes as distâncias entre uns e outros são tão grandes! Calcule-se quanto comércio e quanta navegação - incluindo aí os construtores de navios, os marinheiros, produtores de velas e de cordas - devem ter sido necessários para juntar os diferentes tipos de drogas ou produtos utilizados para tingir o tecido, drogas essas que freqüentemente provêm dos recantos mais longínquos da terra!
Quão grande é também a variedade de trabalho necessária para produzir as ferramentas do menos categorizado desses operários! Sem fazer menção de máquinas tão complexas como o navio ou barco do marujo, o moinho do pisoeiro, ou o próprio tear do tecelão, consideremos apenas que variedades de trabalho são necessárias para fabricar esse dispositivo tão simples que é a tesoura, com a qual o pastor tosa a lã das ovelhas. O mineiro, o construtor do forno destinado a fundir o minério, o cortador de madeira, o queimador do carvão a ser utilizado na câmara de fusão, o oleiro que fabrica tijolos, o pedreiro, os operários que operam o forno, o encarregado da manutenção das máquinas, o forjador, o ferreiro - todos precisam associar suas habilidades profissionais para poder produzir uma tesoura.
Se fizéssemos o mesmo exame das diferentes peças de roupa e de mobilia usadas pelo operário, da tosca camisa de linho que lhe cobre a pele, dos sapatos que lhe protegem os pés, da cama em que se deita e de todas as diversas peças que compõem a sua mobilia e seus pertences, do fogão em que prepara os alimentos, do carvão que se utiliza para isso, escavado das entranhas da terra e trazido até ele talvez através de um longo percurso marítimo e terrestre, de todos os outros utensílios de sua cozinha, de todos os pertences da sua mesa - faca e garfos, travessas de barro ou de peltre em que serve as comidas -
das diferentes mãos que colaboraram no preparo de seu pão e sua cerveja, da vidraça que deixa entrar o calor e a luz e afasta o vento e a chuva - com todo o conhecimento e arte exigidos para chegar a essa bela e feliz invenção, sem a qual as nossas regiões do norte dificilmente teriam podido criar moradias tão confortáveis - juntamente com as ferramentas de todos os diversos operários empregados na produção dessas diferentes utilidades. Se examinarmos todas essas coisas e considerarmos a grande variedade de trabalhos empregados em cada uma dessa utilidades, perceberemos que sem a ajuda e cooperação de muitos milhares não seria possível prover às necessidades, nem mesmo de uma pessoa de classe mais baixa de um país civilizado, por mais que imaginemos -
erroneamente - é muito pouco e muito simples aquilo de que tais pessoas necessitam.
Em comparação com o luxo extravagante dos grandes, as necessidades e pertences de um operário certamente parecem ser extremamente simples e fáceis e, no entanto, talvez seja verdade que a diferença de necessidades de um príncipe europeu e de um camponês trabalhador e frugal nem sempre é muito maior do que a diferença que existe entre as necessidades deste último e as de muitos reis da África, que são senhores absolutos das vidas e das liberdades de 10 mil selvagens nus.

                                                    Capítulo II
                          O princípio que dá origem à divisão do trabalho

Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem. Ela é a conseqüência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra.
Não é nossa tarefa investigar aqui se essa propensão é simplesmente um dos princípios originais da natureza humana, sobre o qual nada mais restaria a dizer, ou se - como parece mais provável - é uma conseqüência necessária das faculdades de raciocinar e falar. De qualquer maneira, essa propensão encontra-se em todos os homens, não se encontrando em nenhuma outra raça de animais, que não parecem conhecer nem essa nem qualquer outra espécie de contratos. Por vezes, tem-se a impressão de que dois galgos, ao irem ao encalço de uma lebre, parecem agir de comum acordo. Cada um a faz voltar-se para seu companheiro, ou procura interceptá-la quando seu companheiro a faz voltar-se para ele. Mas isso não é efeito de algum contrato, senão da concorrência casual
de seus desejos acerca do mesmo objeto naquele momento específico.
Ninguém jamais viu um cachorro fazer uma troca justa e deliberada de um osso por outro, com um segundo cachorro. Ninguém jamais viu um animal dando entender a outro, através de gestos ou gritos naturais: isto é meu, isto é teu, estou disposto a trocar isto por aquilo. Quando um animal deseja obter alguma coisa, de uma pessoa ou de outro animal, não dispõe de outro meio de persuasão a não ser conseguir o favor daqueles de quem necessita ajuda. Um filhote acaricia e lisonjeia sua mãe, e um spaniel faz um sem número de mesuras e demonstrações para atrair a atenção de seu dono que está jantando, quando deseja receber comida. As vezes o homem usa o mesmo estratagema com seus semelhantes, e quando não tem outro recurso para induzi-los a
atenderem a seus desejos, tenta por todos os meios servis atingir este objetivo. Todavia, não terá tempo para fazer isso m todas as ocasiões. Numa sociedade civilizada, o homem a todo momento necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de algumas pessoas.
No caso de quase todas as outras raças de animais, cada indivíduo, ao atingir a
maturidade, é totalmente independente e, em seu estado natural, não tem necessidade da ajuda de nenhuma outra criatura vivente. O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. E isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer - esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos.
Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. Ninguém, a não ser o mendigo, sujeita-se a depender sobretudo da benevolência dos semelhantes. Mesmo o mendigo não depende inteiramente dessa benevolência. Com efeito, a caridade de pessoas com boa disposição lhe fornece tudo o de que carece para a subsistência. Mas embora esse princípio lhe assegure, em última análise, tudo o que é necessário para a sua subsistência, ele não pode garantir-lhe isso sempre, em determinados momentos em que
precisar. A maior parte dos desejos ocasionais do mendigo são atendidos da mesma forma que os de outras pessoas, através de negociação, de permuta ou de compra. Com o dinheiro que alguém lhe dá, ele compra alimento. A roupa velha que um outro lhe dá, ele a troca por outras roupas velhas que lhe servem melhor, por moradia, alimento ou dinheiro, com o qual pode comprar alimento, roupas ou moradia, conforme tiver necessidade.
Assim como é por negociação, por escambo ou por compra que conseguimos uns dos outros a maior parte dos serviços recíprocos de que necessitamos, da mesma forma é essa mesma propensão ou tendência a permutar que originalmente gera a divisão do trabalho. Em uma tribo de caçadores ou pastores, por exemplo, uma determinada pessoa faz arcos e flechas com mais habilidade e rapidez do que qualquer outra. Multas vezes trocá-los-á com seus companheiros, por gado ou por carne de caça; considera que, dessa forma, pode conseguir mais gado e mais carne de caça do que conseguiria se ele mesmo fosse à procura deles no campo.
Partindo pois da consideração de seu interesse próprio, resolve que o fazer arcos e flechas será sua ocupação principal, tomando-se uma espécie de armeiro. Um outro é particularmente hábil em fazer o madeiramento e as coberturas de suas pequenas cabanas ou casas removíveis. Ele está habituado a ser útil a seus vizinhos dessa forma, os quais o remuneram da mesma maneira, com gado e carne de caça, até que, ao final, acaba achando interessante dedicar-se inteiramente a essa ocupação, e tornar-se uma espécie de carpinteiro dedicado à construção de casas. Da mesma forma, um terceiro torna-se ferreiro ou apascentador de gado, um quarto se faz curtidor ou preparador de peles ou couros, componente primordial da roupa dos silvícolas. E dessa forma, a
certeza de poder permutar toda a parte excedente da produção de seu próprio trabalho que ultrapasse seu consumo pessoal estimula cada pessoa a dedicar-se a uma ocupação específica e a cultivar e aperfeiçoar todo e qualquer talento ou inclinação que possa term por aquele tipo de ocupação ou negócio.
Na realidade, a diferença de talentos naturais em pessoas diferentes é muito menor do que pensamos; a grande diferença de habilidade que distingue entre si pessoas de diferentes profissões, quando chegam à maturidade, em muitos casos não é tanto a causa, mas antes o efeito da divisão do trabalho. A diferença entre as personalidades mais diferentes, entre um filósofo e um carregador comum da rua, por exemplo, parece não provir tanto da natureza, mas antes do hábito, do costume, da educação ou formação. Ao virem ao mundo, e durante os seis ou oito primeiros anos de existência, talvez fossem muito semelhantes entre si, e nem seus pais nem seus companheiros de
folguedo eram capazes de perceber nenhuma diferença notável. Em torno dessa idade, ou logo depois, começam a engajar-se em ocupações muito diferentes.
Começa-se então a perceber a diferença de talentos, sendo que esta diferenciação vai-se ampliando gradualmente, até que, ao final, o filósofo dificilmente se disporá a reconhecer qualquer semelhança. Mas, sem a propensão à barganha, ao escambo e à troca, cada pessoa precisa ter conseguido para si mesma tudo o que lhe era necessário ou conveniente para a vida que desejava. Todos devem ter tido as mesmas obrigações a cumprir, e o mesmo trabalho a executar, e não pode ter havido urna tal diferença de ocupações que por si fosse suficiente para produzir uma diferença tão grande de
talentos.
Assim como é essa propensão que gera essa diferença de talentos, tão notável entre pessoas de profissões diferentes, da mesma forma, é essa mesma propensão que faz com que a diferença seja útil. Muitos grupos de animais, todos reconhecidamente da mesma espécie, trazem de nascença uma diferença de "índole" muito maior do que aquela que se verifica entre as pessoas, anteriormente à aquisição de hábitos e à educação. Por natureza, a diferença entre um filósofo e um carregador de rua, no tocante ao caráter básico e à disposição, não representa sequer 50% da diferença que existe entre um
mastim e um galgo, ou entre um galgo e um spaniel, ou entre este último e um cão pastor. Entretanto, esses tipos de animais, embora sendo da mesma espécie, dificilmente têm qualquer utilidade uns em relação aos outros. A força do mastim não se beneficia em nada da velocidade ou rapidez do galgo ou da sagacidade do spaniel ou da docilidade do cão pastor.
Os efeitos provenientes dessas diferenças de "índole" e talentos, por falta da faculdade ou propensão à troca, não são capazes de formar um patrimônio comum, e não contribuem o mínimo para o melhor atendimento das necessidades da espécie. Cada animal, individualmente, continua obrigado a ajudar-se e defender-se sozinho, não dependendo um do outro, não auferindo vantagem alguma da variedade de talentos com a qual a natureza distinguiu seus semelhantes. Ao contrário, entre os homens, os caracteres e habilidades mais diferentes são úteis uns aos outros; as produções diferentes dos respectivos talentos e habilidades, em virtude da capacidade e propensão geral ao intercâmbio, ao escambo e à troca, são como que somados em um cabedal comum, no qual cada um pode comprar qualquer parcela da produção dos talentos dos outros, de acordo com suas necessidades.
       

                                                         Capítulo III
                    A divisão do trabalho limitada pela extensão do mercado

Como é o poder de troca que leva à divisão do trabalho, assim a extensão dessa divisão deve sempre ser limitada pela extensão desse poder, ou, em outros termos, pela extensão do mercado. Quando o mercado é muito reduzido, ninguém pode sentir-se estimulado a dedicar-se inteiramente a uma ocupação, porque não poderá permutar toda a parcela excedente de sua produção que ultrapassa seu consumo pessoal pela parcela de produção do trabalho alheio, da qual tem necessidade.
Existem certos tipos de trabalho, mesmo da categoria mais baixa, que só podem ser executados em uma cidade grande. Um carregador, por exemplo, não consegue encontrar emprego e subsistência em nenhum outro lugar. Uma aldeia é pequena demais para isto; é até difícil que uma cidade pequena, dotada de um mercado, seja suficientemente grande para oferecer ocupação constante para um carregador. Nas casas isoladas e nas minúsculas aldeias espalhadas pelas regiões montanhosas da Escócia, cada camponês deve ao mesmo tempo ser açougueiro, padeiro e fabricante de cerveja de sua própria família. Em tais situações, dificilmente podemos esperar encontrar sequer um ferreiro, um carpinteiro ou marceneiro num raio inferior a 30 milhas de um outro profissional da mesma ocupação.
As famílias espalhadas, que vivem a 8 ou 10 milhas de distância uma da outra, têm que aprender elas mesmas um grande número de ofícios e trabalhos, para os quais, se morassem em localidades mais povoadas, chamariam os respectivos profissionais. Os trabalhadores do campo quase sempre são obrigados a executar eles mesmos todos os diversos tipos de trabalho que têm afinidade tão grande entre si, a ponto de poderem lidar com o mesmo tipo de materiais. Um carpinteiro do campo faz todo tipo de trabalho com madeira, e um ferreiro do campo faz qualquer tipo de serviço com ferro. O primeiro é não somente carpinteiro, mas também marceneiro, e até mesmo entalhador de madeira, construtor de carroças, fabricante de arados. E os trabalhos de um ferreiro no campo são ainda mais variados. Seria até impossível haver uma profissão como a do fabricante de pregos nas regiões afastadas e interioranas da Alta Escócia. Tal operário, produzindo 1000 pregos por dia, e com 300 dias de trabalho no ano, produzirá 300 mil pregos por ano. Acontece que, nessa região, seria impossível vender 1000 pregos, ou seja, a produção de apenas um dia de trabalho.
Já que o transporte fluvial ou marítimo abre um mercado mais vasto para qualquer tipo de trabalho do que unicamente o transporte terrestre, é na costa marítima e ao longo dos rios navegáveis que, naturalmente, todo tipo de trabalho ou ocupação começa a subdividir-se e aprimorar-se, e somente depois de muito tempo esses aperfeiçoamentos se estendem ao interior de um país. Uma carroça de rodas largas, servida por dois homens e puxada por oito cavalos, leva aproximadamente seis semanas para transportar de Londres a Edimburgo - ida e volta - mais ou menos 4 toneladas de mercadoria. Mais
ou menos no mesmo tempo um barco ou navio tripulado por seis ou oito homens, e navegando entre os portos de Londres e Leith, muitas vezes transporta - ida e volta - 200 toneladas de mercadoria. Portanto, seis ou oito homens, por transporte aquático, podem levar e trazer, no mesmo tempo, a mesma quantidade de mercadoria entre Londres e Edimburgo que cinqüenta carroças de rodas largas, servidas por 100 homens e puxadas por 400 cavalos. Para 200 toneladas de mercadorias, portanto, transportadas por terra de Londres para Edimburgo, é necessário pagar a manutenção de 100 homens
durante três semanas, e o desgaste e a mobilização de 400 cavalos, mais o de 50 carroças de rodas largas.
Ao contrário, essa mesma quantidade de mercadorias, se transportada por hidrovia, será onerada apenas pela manutenção de 6 ou 8 homens, e pelo desgaste e movimentação de um navio ou barco com carga de 200 toneladas, além do valor do risco maior, ou seja, a diferença de seguro entre esses dois sistemas de transporte. Se, portanto, entre essas duas localidades não houvesse outra possibilidade de comunicação senão por terra, e já que não se poderia transportar entre as duas cidades nenhuma outra mercadoria a não ser aquela cujo preço fosse bem elevado em proporção com seu peso, só poderia haver
uma pequena parte daquele comércio que atualmente existe entre as duas cidades; e por conseguinte elas só poderiam dar uma pequena parte do estímulo que atualmente dão uma à outra. Entre as regiões distantes da terra seria pequena ou até nula a possibilidade de comércio.
Que mercadorias poderiam, por exemplo, comportar o preço do transporte terrestre entre Londres e Calcutá? Ou, se houvesse alguma mercadoria tão preciosa que pudesse comportar um transporte tão dispendioso, com que segurança se efetuaria tal transporte, passando por territórios habitados por tantas nações ainda em estado de barbárie? E no entanto, existe atualmente, entre Londres e Calcutá, um comércio considerável; intercambiando seus mercados, Londres e Calcutá estimulam muito o trabalho e a produção entre si.
Se tais são, portanto, as vantagens do transporte fluvial ou marítimo, é natural que os primeiros aperfeiçoamentos das artes e da manufatura se operem lá onde essa circunstância abrir mercado do mundo inteiro para a produção de cada tipo de profissão e que esses aperfeiçoamentos levem muito tempo para estender-se ao interior do país. O interior do país pode durante muito tempo não ter nenhum outro mercado para a maior parte de suas mercadorias a não ser a região circunjacente, que o separa da costa marítima e dos grandes rios navegáveis. Por conseguinte, a extensão de seu mercado deverá durante muito tempo ser proporcional à riqueza e à reduzida densidade demográfica daquela região, e consequentemente seu aprimoramento sempre deverá vir depois do aprimoramento da região.
Em nossas colônias norte-americanas, as plantações sempre acompanharam a costa marítima ou as margens dos rios navegáveis, e dificilmente se distanciaram muito dessas vias de transporte. Segundo a História bem documentada, as primeiras nações a serem civilizadas foram obviamente as localizadas ao redor da costa do Mediterrâneo. Esse mar - o maior braço
de mar que se conhece no mundo - , por não ter marés e, consequentemente, não apresentar outras ondas senão as provocadas pelo vento, devido à lisura de sua superfície, à multidão de suas ilhas e à proximidade de suas praias vizinhas,
demonstrou-se extremamente favorável a uma navegação mundial incipiente, épocas em que os homens, por ignorarem ainda a bússola, tinham receio de afastar-se da costa e, devido ao primitivismo da construção naval, receavam expor-se às ondas turbulentas do oceano. No mundo antigo, passar além das colunas de Hércules, isto é, além do estreito
 e Gibraltar, foi considerado por muito tempo como uma façanha naval altamente perigosa e quase miraculosa. Muito tempo decorreu até que os próprios fenícios e cartagineses, os mais hábeis navegadores e construtores navais dos tempos antigos, tentassem essa façanha; e durante muito tempo foram eles os únicos que assumiram tal risco.
Dentre todos os países localizados na costa do Mediterrâneo, o Egito parece ter sido o primeiro no qual a agricultura ou as manufaturas foram praticadas e puderam acusar um grau considerável de aperfeiçoamento. Em parte alguma o alto Egito dista mais do que algumas milhas do rio Nilo; e no baixo Egito, o Nilo se ramifica em uma multiplicidade de canais, que, com alguma habilidade, parecem ter assegurado uma comunicação fluvial, não somente entre todas as grandes cidades, mas também entre todas as aldeias de maior envergadura, e até mesmo com muitas propriedades agrícolas do interior; mais ou menos da mesma forma como isso ocorre hoje na Holanda, em relação aos rios Reno
e Mosa. A extensão e a facilidade dessa navegação interna constituiu provavelmente uma das causas primordiais do antigo progresso e aprimoramento do Egito.
Os aperfeiçoamentos na agricultura e nas manufaturas parecem ter sido muito antigos também nas províncias de Bengala, localizadas nas Índias Orientais, e em algumas das províncias orientais da China, embora em nosso continente não disponhamos de fontes históricas autênticas que documentem com certeza essa antigüidade. Em Bengala, o Ganges e vários outros grandes rios formam grande número de canais navegáveis, da mesma forma que o Nilo no Egito. Também nas províncias orientais da China, vários rios grandes formam, com seus diversos afluentes, uma multidão de canais; a comunicação entre esses canais fez com que surgisse uma navegação interna muito mais extensa do que a assegurada pelo Nilo ou pelo Ganges, ou talvez até pelos dois juntos. É notável que nem os antigos egípcios nem os indianos e chineses da Antigüidade
estimularam o comércio externo, e portanto parecem ter auferido sua grande riqueza de navegação puramente interna.
Em contrapartida, todas as regiões do interior da África, e toda a parte da Ásia
localizada a uma distância maior ao norte dos mares Euxino e Cáspio - a antiga Cítia, a Tartária e a Sibéria modernas - em todas as épocas, ao que parece, permaneceram no estado de barbárie que ainda hoje as caracteriza. O mar da Tartária é o oceano gelado que não permite navegação, e embora alguns dos maiores rios do mundo percorram essa região, a distância entre uns e outros é excessivamente grande para permitir comunicação e comércio ao longo da maior parte de sua extensão.
Na África não existe nenhuma dessas grandes artérias como são o mar Báltico e o mar Adriático, na Europa, o Mediterrâneo e o Euxino na Europa e na Ásia, e os golfos da Arábia, Pérsia, índia, Bengala e Sião na Ásia, sendo portanto impossível estender o comércio a essas distantes plagas do interior da África; por outro lado, os grandes rios da África são excessivamente distantes entre si para permitirem uma navegação de maior porte. Além disso, nunca pode ser muito considerável o comércio que uma nação pode manter através de um rio que não se ramifique em muitos afluentes ou canais, e que percorre território estrangeiro antes de desembocar no mar; isso porque a nação estrangeira pela qual passa a parte do rio que desemboca no mar pode, a qualquer
momento, obstruir a comunicação entre o país vizinho e o mar.
A navegação do Danúbio é de muito pouca utilidade para os Estados da Baviera, a Áustria e a Hungria, em comparação com o que seria se algum desses países possuísse todo o percurso do Danúbio, até ele desembocar no mar Negro.
                                                            

                                                    Capítulo IV
                                       A origem e o uso do dinheiro

Uma vez plenamente estabelecida a divisão do trabalho, é muito reduzida a parcela de necessidades humanas que pode ser atendida pela produção individual do próprio trabalhador. A grande maioria de suas necessidades, ele a satisfaz permutando aquela parcela do produto de seu trabalho que ultrapassa o seu próprio consumo, por aquelas parcelas da produção alheia de que tiver necessidade. Assim sendo, todo homem subsiste por meio da troca, tornando-se de certo modo comerciante; e assim é que a própria sociedade se transforma naquilo que adequadamente se denomina sociedade comercial.
Quando a divisão do trabalho estava apenas em seu início, este poder de troca deve ter deparado freqüentemente com grandes empecilhos. Podemos perfeitamente supor que um indivíduo possua uma mercadoria em quantidade superior àquela de que precisa, ao passo que um outro tem menos. Consequentemente, o primeiro estaria disposto a vender uma parte de seu supérfluo, e o segundo a comprá-la. Todavia, se esta segunda pessoa não possuir nada daquilo que a primeira necessita, não poderá haver nenhuma troca
entre as duas. O açougueiro tem consigo mais carne do que a porção de que precisa para seu consumo, e o cervejeiro, e o padeiro estariam dispostos a comprar uma parte do produto. Entretanto, não têm nada a oferecer em troca, a não ser os produtos diferentes de seu trabalho ou de suas transações comerciais, e o açougueiro já tem o pão e a cerveja de que precisa para seu consumo.
Neste caso, não poderá haver nenhuma troca entre eles. No caso, o açougueiro não pode ser comerciante para o cervejeiro e o padeiro, nem estes podem ser clientes do açougueiro; e portanto diminui nos três a possibilidade de se ajudarem entre si. A fim de evitar o inconveniente de tais situações, toda pessoa prudente, em qualquer sociedade e em qualquer período da história, depois de adotar pela primeira vez a divisão do trabalho, deve naturalmente ter se empenhado em conduzir seus negócios de tal forma, que a cada momento tivesse consigo, além dos produtos diretos de seu próprio trabalho, uma certa quantidade de alguma(s) outra(s) mercadorias(s) - mercadoria ou mercadorias
tais que, em seu entender, poucas pessoas recusariam receber em troca do produto de seus próprios trabalhos.
Provavelmente, muitas foram as mercadorias sucessivas a serem cogitadas e também utilizadas para esse fim. Nas épocas de sociedade primitiva, afirma-se que o instrumento generalizado para trocas comerciais foi o gado. E embora se trate de uma mercadoria que apresenta muitos inconvenientes, constatamos que, entre os antigos, com freqüência os bens eram avaliados com base no número de cabeças de gado cedidas para comprálos.
A couraça de Diomedes, afirma Homero, custou somente 9 bois, ao passo que a de Glauco custou 100 bois. Na Abissínia, afirma-se que o instrumento comum para comércio e trocas era o sal; em algumas regiões da costa da índia, o instrumento era um determinado tipo de conchas; na Terra Nova era o bacalhau seco; na Virgínia, o fumo; em algumas das nossas colônias do oeste da índia, o açúcar, em alguns outros países, peles ou couros preparados; ainda hoje - segundo fui informado - existe na Escócia uma aldeia em que não é raro um trabalhador levar pregos em vez de dinheiro, quando vai ao padeiro ou à cervejaria.
Entretanto, ao que parece, em todos os países as pessoas acabaram sendo levadas por motivos irresistíveis a atribuir essa função de instrumento de troca preferivelmente aos metais, acima de qualquer outra mercadoria. Os metais apresentam a vantagem de poderem ser conservados, sem perder valor, com a mesma facilidade que qualquer outra mercadoria, por ser difícil encontrar outra que seja menos perecível; não somente isso,
mas podem ser divididos, sem perda alguma, em qualquer número de partes, já que eventuais fragmentos perdidos podem ser novamente recuperados pela fusão - uma característica que nenhuma outra mercadoria de durabilidade igual possui, e que, mais do que qualquer outra, torna os metais aptos como instrumentos para o comércio e a circulação.
Assim, por exemplo, a pessoa que desejasse comprar sal e não tivesse outra coisa para dar em troca senão gado, estava obrigada a comprar de uma só vez sal na quantidade correspondente ao valor de um boi inteiro, ou de uma ovelha inteira. Raramente podia comprar menos, pois o que tinha que dar em troca pelo sal dificilmente era passível de divisão sem perda; e se desejasse comprar ainda mais, pelas mesmas razões estava obrigada a comprar o dobro ou o triplo da quantidade, ou seja, o valor de 2 ou 3 bois, ou 2 ou 3 ovelhas. Ao contrário, se em lugar de bois ou ovelhas tivesse metais a dar em troca, facilmente podia ajustar a quantidade do metal àquela quantidade de mercadorias
de que tinha necessidade imediata.
Diferentes foram os metais utilizados pelas diversas nações para esse fim. O ferro era o instrumento comum de comércio entre os espartanos; entre os antigos romanos era o cobre; o ouro e a prata eram o instrumento de comércio de todas as nações ricas e comerciantes.
De início, parece que os referidos metais eram utilizados para esse fim em barras brutas, sem gravação e sem cunhagem. Assim, Plínio (Plínio. Historia Naturalis. Livro Trigésimo Terceiro. Cap. III) baseando-se em Timeu, historiador antigo, nos conta que, até à época de Sérvio Túlio, os romanos não possuíam dinheiro cunhado, mas faziam uso das barras de cobre sem gravação quando queriam comprar algo. Por conseguinte,
naquela época essas barras brutas de metal desempenhavam o papel de dinheiro.
O uso de metais nesse estado apresentava dois inconvenientes muito grandes: o dapesagem e o da verificação da autenticidade ou qualidade do metal.
Em se tratando dos metais preciosos, em que uma pequena diferença de quantidade representa uma grande diferença no valor, até mesmo o trabalho de pesagem, se tiver que ser feito com a exatidão necessária, requer no mínimo pesos e balanças muito exatos. Particularmente a pesagem do ouro é uma operação precisa e sutil. No caso de metais menos nobres, evidentemente, onde um erro pequeno não teria maiores conseqüências, não se exigia uma precisão tão elevada. Entretanto, consideraríamos altamente incômodo se, toda vez que um indivíduo tivesse que comprar ou vender uma quantidade de mercadoria do valor de um farthing, fosse obrigado a pesar essa minúscula moeda. (Nota do Editor: farthing é moeda de cobre, equivalente a 1/4 do pêni inglês, que circulou até 1961)
A operação de verificar a autenticidade ou quilate é ainda mais difícil e mais tediosa; e, a menos que uma parte do metal seja fundida no cadinho ou crisol, utilizando dissolventes adequados, é extremamente incerta qualquer conclusão que se possa tirar.
E no entanto, antes de se instituir a moeda cunhada, as pessoas que não se submetessem a essa operação difícil e tediosa estavam expostas às fraudes e imposições mais penosas, pois em vez de libra-peso de prata pura ou de cobre puro, estavam sujeitas a receber pelas suas mercadorias uma composição adulterada dos materiais mais ordinários e baratos, os quais, porém, em sua aparência se assemelhavam à prata ou ao cobre. Para evitar tais abusos, para facilitar as trocas e assim estimular todos os tipos de indústria e comércio, considerou-se necessário, em todos os países que conheceram um progresso
notável, fazer uma gravação oficial naquelas determinadas quantidades de metal que se usavam comumente para comprar mercadorias.
Daí a origem do dinheiro cunhado ou em moeda, bem como das assim chamadas casas da moeda: instituições essas exatamente da mesma natureza que as do aulnagers("oficiais de inspeção e medição de tecido de lã"), stampmasters ("desbastadores") de tecido de lã e de linho. Todas elas têm por objetivo garantir, por meio de gravação oficial, a quantidade e a qualidade uniforme das diversas mercadorias quando trazidas ao mercado.
As primeiras gravações oficiais desse tipo, impressas nos metais correntes, em muitos casos parecem ter tido o objetivo de garantir o que era mais difícil e mais importante de garantir, isto é, a qualidade ou quilate do metal; ao que parece, essas gravações se assemelhavam à marca de esterlina que atualmente é impressa em chapas e barras de prata, ou à marca espanhola que às vezes é impressa em lingotes de ouro e que, por incidirem somente em um dos lados da peça e não cobrirem a superfície inteira, garantem o quilate mas não o peso do metal. Abraão pesou para Efrom os 400 siclos de prata que tinha concordado em pagar pelo campo de Macpela. Afirma-se que eram o dinheiro corrente dos comerciantes de então, mas foram recebidos pelo peso e não por número, da mesma forma que hoje se recebem lingotes de ouro e barras de prata. Pelo
que se conta, os antigos reis saxônios da Inglaterra recebiam sua remuneração não em dinheiro, mas em espécie, isto é, em alimentos e provisões de todo tipo. Foi Guilherme, o Conquistador, que introduziu o costume de pagá-los em dinheiro. Entretanto, esse dinheiro, durante muito tempo, era recebido no Tesouro Público, por peso e não de contado.
O inconveniente e a dificuldade de pesar esses metais com exatidão deram origem à instituição de moedas, cuja gravação, cobrindo inteiramente os dois lados da peça e às vezes também as extremidades, visava a garantir não somente o quilate, mas também o peso do metal. Por isso, essas moedas eram recebidas, como hoje, por unidades, dispensando o incômodo de pesá-las.
Ao que parece, as denominações dessas moedas de início expressavam o peso ou quantidade de metal nelas contido. Na época de Sérvio Túlio, o primeiro a cunhar moedas em Roma, o asse ou pondo romano continha 1 libra romana de cobre de boa qualidade. Foi dividida, da mesma maneira que a libra Troy, em 12 onças, cada uma das quais continha 1 onça real de bom cobre. (Nota do Editor: Troy era parte do sistema inglês de pesos, originariamente para pedras e metais preciosos, recebendo esse nome da cidade francesa de Troyes, onde era padrão.) A libra esterlina inglesa ao tempo de Eduardo I continha 1 libra-peso, peso Tower de prata de um quilate conhecido. A libra Tower parece ter sido algo mais do que a libra romana, e algo menos que a libra Troyes. Esta última só foi introduzida na Casa da Moeda da Inglaterra no 18º ano do reinado de Henrique VIII. A libra francesa, ao tempo de Carlos Magno, continha 1 libra Troyes de prata de um quilate conhecido.
A feira de Troyes, na Champanha, era na época freqüentada por todas as nações da Europa, e os pesos e medidas desse famoso mercado eram conhecidos e apreciados por todos. A libra escocesa continha, desde a época de Alexandre I até a de Robert Bruce, 1 libra de prata do mesmo peso e quilate que a libra esterlina inglesa. Também os pence ingleses, escoceses e franceses continham, de início, o peso real de 1 pêni de prata, a 1/20 da onça, e a 1/240 da libra. Também o xelim parece ter sido originalmente a denominação de um peso. Quando o trigo vale 12 xelins o quarter - lê-se numa antiga estátua de Henrique II - 1 pão branco de 1 farthing deverá pesar 11 xelins e 4 pence.
Todavia, a proporção entre o xelim e o pêni, de um lado, e o xelim e a libra, de outro, não parece ter sido tão constante e uniforme como a existente entre o pêni e a libra.
Durante a primeira geração da linhagem dos reis de França, o sou ou xelim francês tem, em ocasiões diferentes, ora 5, ora 20 e ora 40 pence. Entre os antigos saxões, 1 xelim parece ter tido, uma vez, somente 5 pence, não sendo improvável que tenha variado tanto quanto variava entre seus vizinhos, os francos. Desde o tempo de Carlos Magno, entre os franceses, e o de Guilherme, o Conquistador, entre os ingleses, a proporção entre a libra, o xelim e o pêni parece ter sido uniformemente a mesma de hoje, embora tenha sido muito diferente o valor de cada uma dessas moedas.
Com efeito, em todos os países do mundo - assim acredito - a avareza e a injustiça dos príncipes e dos Estados soberanos, abusando da confiança de seus súditos, foram diminuindo gradualmente a quantidade real de metal que originalmente continham as moedas. O asse romano, nos últimos anos da República, foi reduzido 1/24 de seu valor original, e ao invés de pesar 1 libra, acabou pesando apenas 1/2 onça, A libra e o pêni ingleses atuais contêm apenas em torno de 1/3, a libra e o pêni escocês apenas 1/36, e a libra e o pêni franceses, apenas 1/66 de seu valor original. Aparentemente, mediante
essas operações, os príncipes e os Estados soberanos foram capazes de pagar suas dívidas e cumprir seus compromissos, com uma quantidade de prata menor do que teria sido necessária em caso de não se alterarem os valores das moedas; digo apenas aparentemente, pois seus credores foram realmente fraudados de uma parte do que lhes era realmente devido.
Permitiu-se a todos os demais credores, dentro do país, usarem do mesmo privilégio, podendo eles pagar o mesmo montante nominal da moeda nova e desvalorizada, qualquer que tivesse sido a quantidade que tivessem tomado de empréstimo em moeda velha. Por conseguinte, tais operações sempre se têm demonstrado favoráveis aos devedores e danosas para os credores, e às vezes provocaram uma revolução maior e mais generalizada nas fortunas de pessoas privadas do que a que poderia ter sido gerada por uma grande calamidade pública.
Foi dessa maneira que em todas as nações civilizadas o dinheiro se transformou no instrumento universal de comércio, através do qual são compradas e vendidas - ou trocadas; entre si - mercadorias de todos os tipos.
Passarei agora a examinar quais são as normas que naturalmente as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias. Essas regras determinam o que se pode denominar valor relativo ou valor de troca dos bens.
Importa observar que a palavra VALOR tem dois significados: às vezes designa a utilidade de um determinado objeto, e outras vezes o poder de compra que o referido objeto possui, em relação a outras mercadorias. O primeiro pode chamar-se "valor de uso", e o segundo, "valor de troca". As coisas que têm o mais alto valor de uso freqüentemente têm pouco ou nenhum valor de troca; vice-versa, os bens que têm o mais alto valor de troca muitas vezes têm pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil que a água, e no entanto dificilmente se comprará alguma coisa com ela, ou seja, dificilmente se conseguirá trocar água por alguma outra coisa. Ao contrário, um diamante dificilmente possui algum valor de uso, mas por ele se pode, muitas vezes, trocar uma quantidade muito grande de outros bens.
A fim de investigar os princípios que regulam o valor de troca das mercadorias,
procurarei mostrar:
Primeiro, qual é o critério ou medida real desse valor de troca, ou seja, em que consiste
o preço real de todas as mercadorias.
Em segundo lugar, quais são as diferentes partes ou componentes que constituem esse
preço real.
Finalmente, quais são as diversas circunstâncias que por vezes fazem subir alguns
desses componentes, ou todos eles, acima do natural ou normal, e às vezes os fazem
descer abaixo desse nível: ou seja, quais são as causas que às vezes impedem o preço de
mercado, isto é, o preço efetivo das mercadorias, de coincidir exatamente com o que se
pode chamar de preço natural.
Nos três capítulos subseqüentes, procurarei expor, da maneira mais completa e clara que
estiver ao meu alcance, os três itens que acabei de citar. Para isso, desafio seriamente
tanto a paciência quanto a atenção do leitor: sua paciência, pois examinarei um assunto
que talvez possa parecer desnecessariamente tedioso em alguns pontos; sua atenção,
para compreender aquilo que, mesmo depois da explicação completa que procurarei dar,
talvez possa ainda parece algo obscuro. Estou sempre disposto a correr um certo risco
de ser tedioso, visando à certeza de estar sendo claro; e após fazer tudo o que puder para
ser claro, mesmo assim poderá parecer que resta alguma obscuridade sobre um assunto
que, aliás, é por sua própria natureza extremamente abstrato.

                                                     CAPITULO V
                      O preço real e o preço nominal das mercadorias
                     ou seu preço em trabalho e seu preço em dinheiro

Todo homem é rico ou pobre, de acordo com o grau em que consegue desfrutar das
coisas necessárias, das coisas convenientes e dos prazeres da vida. Todavia, uma vez
implantada plenamente a divisão do trabalho, são muito poucas as necessidades que o
homem consegue atender com o produto de seu próprio trabalho. A maior parte delas
deverá ser atendida com o produto do trabalho de outros, e o homem será então rico ou
pobre, conforme a quantidade de serviço alheio que está em condições de encomendar
ou comprar. Portanto, o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas
não tenciona usá-la ou consumi-la ela própria, senão trocá-la por outros bens, é igual à
quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe dá condições de comprar ou comandar.
Consequentemente, o trabalho é a medida real do valor de troca de todas as
mercadorias.
O preço real de cada coisa - ou seja, o que ela custa à pessoa que deseja adquiri-la - é o
trabalho e o incômodo que custa a sua aquisição. O valor real de cada coisa, para a
pessoa que a adquiriu e deseja vendê-la ou trocá-la por qualquer outra coisa, é o
trabalho e o incômodo que a pessoa pode poupar a si mesma e pode impor a outros. O
que é comprado com dinheiro ou com bens, é adquirido pelo trabalho, tanto quanto
aquilo que adquirimos com o nosso próprio trabalho. Aquele dinheiro ou aqueles bens
na realidade nos poupam este trabalho. Eles contêm o valor de uma certa quantidade de
trabalho que permutamos por aquilo que, na ocasião, supomos conter o valor de uma
quantidade igual. O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compra original que foi
pago por todas as coisas. Não foi por ouro ou por prata, mas pelo trabalho, que foi
originalmente comprada toda a riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles
que a possuem, e desejam trocá-la por novos produtos, é exatamente igual à quantidade
de trabalho que essa riqueza lhes dá condições de comprar ou comandar.
Riqueza é poder, como diz Hobbes. Mas a pessoa que adquire ou herda uma grande
fortuna não necessariamente adquire ou herda, com isto, qualquer poder político, seja
civil ou militar. Possivelmente sua fortuna pode dar-lhe os meios para adquirir esses
dois poderes, mas a simples posse da fortuna não lhe assegurará nenhum desses dois
poderes. O poder que a posse dessa fortuna lhe assegura, de forma imediata e direta, é o
poder de compra; um certo comando sobre todo o trabalho ou sobre todo o produto do
trabalho que está então no mercado. Sua fortuna é maior ou menor, exatamente na
proporção da extensão desse poder; ou seja, de acordo com a quantidade de trabalho
alheio ou - o que é a mesma coisa - do produto do trabalho alheio que esse poder lhe dá
condições de comprar ou comandar. O valor de troca de cada coisa será sempre
exatamente igual à extensão desse poder que essa coisa traz para o seu proprietário.
Entretanto, embora o trabalho seja a medida real do valor de troca de todas as
mercadorias, não é essa a medida pela qual geralmente se avalia o valor das
mercadorias. Muitas vezes é difícil determinar com certeza a proporção entre duas
quantidades diferentes de trabalho. Não será sempre só o tempo gasto em dois tipos
diferentes de trabalho que determinará essa proporção. Deve-se levar em conta também
os graus diferentes de dificuldade e de engenho empregados nos respectivos trabalhos.
Pode haver mais trabalho em uma tarefa dura de uma hora do que em duas horas de
trabalho fácil; como pode haver mais trabalho em uma hora de aplicação a uma
ocupação que custa dez anos de trabalho para aprender, do que em um trabalho de um
mês em uma ocupação comum e de fácil aprendizado. Ora, não é fácil encontrar um
critério exato para medir a dificuldade ou o engenho exigidos por um determinado
trabalho. Efetivamente, ao permutar entre si produtos diferentes de tipos diferentes de
trabalho, costuma-se considerar uma certa margem para os dois fatores. Essa, porém, é
ajustada não por medição exata, mas pela pechincha ou regateio do mercado, de acordo
com aquele tipo de igualdade aproximativa que, embora não exata, é suficiente para a
vida diária normal.
Além disso, é mais freqüente trocar uma mercadoria por outras mercadorias - e,
portanto, comprá-las - do que por trabalho. Por conseguinte, é mais natural estimar seu
valor de troca pela quantidade de alguma outra mercadoria, do que com base no
trabalho que ela pode comprar. Aliás, a maior parte das pessoas tem mais facilidade em
entender o que significa uma quantidade de uma mercadoria específica, do que o
significado de uma quantidade de trabalho. Com efeito, a primeira é um objeto
plenamente palpável, ao passo que a segunda é uma noção abstrata que, embora
possamos torná-la suficientemente inteligível, não é basicamente tão natural e tão óbvia.
Acontece porém que, quando cessa o comércio mediante troca de bens e o dinheiro se
torna o instrumento comum, é mais freqüente trocar cada mercadoria específica por
dinheiro, do que por qualquer outro bem. Raramente o açougueiro leva suas carnes de
boi ou de carneiro ao padeiro ou ao cervejeiro, para trocá-las por pão ou por cerveja: o
que faz é levar ás carnes ao mercado, onde as troca por dinheiro, e depois troca esse
dinheiro por pão ou cerveja. A quantidade de dinheiro que recebe pelas carnes
determina também a quantidade de pão e de cerveja que poderá comprar depois.
É, pois, mais natural e mais óbvio, para ele, estimar o valor das carnes pela quantidade
de dinheiro - a mercadoria pela qual as troca direta e imediatamente - do que pela
quantidade de pão e cerveja - as mercadorias pelas quais ele pode trocar as carnes
somente por meio de uma outra mercadoria (o dinheiro); para ele é mais fácil e mais
óbvio dizer que suas carnes valem 3 pence ou 4 pence por libra-peso, do que dizer que
valem 3 ou 4 libras-peso de pão ou 3 ou 4 quarters de cerveja. Ocorre, portanto, que o
valor de troca das mercadorias é mais freqüentemente estimulado pela quantidade de
dinheiro do que pela quantidade de trabalho ou pela quantidade de alguma outra
mercadoria que se pode adquirir em troca da referida mercadoria.
Entretanto, o ouro e a prata, como qualquer outra mercadoria, também variam em seu
valor, são ora mais baratos, ora mais caros, e ora são mais fáceis de comprar, ora mais
difíceis. A quantidade de trabalho que uma quantidade específica de ouro e prata pode
comprar ou comandar, ou seja, a quantidade de outros bens pela qual pode ser trocada,
depende sempre da abundância ou escassez das minas que eventualmente se conhecem,
por ocasião das trocas. No século XVI, a descoberta das ricas minas da América reduziu
o valor do ouro e da prata na Europa a aproximadamente 1/3 do valor que possuíam
antes. Consequentemente, como custava menos trabalho trazer esses metais das minas
para o mercado, assim, quando eram colocados no mercado, era menor a quantidade de
trabalho que permitiam comprar ou comandar.
Ora, essa revolução no valor do ouro e da prata, embora talvez a maior ocorrida, não é
absolutamente a única registrada pela história. Assim como uma medida de quantidade
como é o pé natural, a braça ou a mancheia que varia continuamente em sua própria
quantidade, jamais pode ser uma medida exata do valor de outras coisas, da mesma
forma uma mercadoria cujo valor muda constantemente jamais pode ser uma medida
exata do valor de outras mercadorias. Pode-se dizer que quantidades iguais de trabalho
têm valor igual para o trabalhador, sempre e em toda parte. Estando o trabalhador em
seu estado normal de saúde, vigor e disposição, e no grau normal de sua habilidade e
destreza, ele deverá aplicar sempre o mesmo contingente de seu desembaraço, de sua
liberdade e de sua felicidade. O preço que ele paga deve ser sempre o mesmo, qualquer
que seja a quantidade de bens que receba em troca de seu trabalho.
Quanto a esses bens, a quantidade que terá condições de comprar será ora maior, ora
menor; mas é o valor desses bens que varia, e não o valor do trabalho que os compra.
Sempre e em toda parte valeu este princípio: é caro o que é difícil de se conseguir, ou
aquilo que custa muito trabalho para adquirir, e é barato aquilo que pode ser conseguido
facilmente ou com muito pouco trabalho. Por conseguinte, somente o trabalho, pelo fato
de nunca variar em seu valor, constitui o padrão último e real com base no qual se pode
sempre e em toda parte estimar e comparar o valor de todas as mercadorias. O trabalho
é o preço real das mercadorias; o dinheiro é apenas o preço nominal delas.
Contudo, embora quantidades iguais de trabalho sempre tenham valor igual para o
trabalhador, para a pessoa que as emprega, essas quantidades de trabalho apresentam
valor ora maior, ora menor, o empregador compra o trabalho do operário ora por uma
quantidade maior de bens, ora por uma quantidade menor. E para o empregador, o preço
do trabalho parece variar, da mesma forma como muda o valor de todas as outras coisas.
Em um caso, o trabalho alheio se apresenta ao empregador como caro, em outro barato.
Na realidade, porém, são os bens que num caso são baratos, em outro, caros.
Em tal acepção popular, portanto, pode-se dizer que o trabalho, da mesma forma que as
mercadorias, tem um preço real e um preço nominal. Pode-se dizer que seu preço real
consiste na quantidade de bens necessários e convenientes que se permuta em troca
dele; e que seu preço nominal consiste na quantidade de dinheiro. O trabalhador é rico
ou pobre, é bem ou mal remunerado, em proporção ao preço real do seu trabalho, e não
em proporção ao respectivo preço nominal.
A distinção entre o valor real e o valor nominal do preço das mercadorias e do trabalho
não é simplesmente assunto para especulação filosófica, mas às vezes pode ser de
grande utilidade na prática. O mesmo preço real é sempre do mesmo valor, todavia,
devido às variações ocorrentes no valor do ouro e da prata, o mesmo preço nominal às
vezes tem valores muito diferentes. Eis por que, quando se vende uma propriedade
territorial com uma reserva de renda perpétua, se quisermos que esta renda conserve
sempre o mesmo valor, é importante, para a família em cujo favor se faz a reserva, que a
renda não consista em determinada soma de dinheiro. Se tal ocorresse, o valor dessa
renda estaria sujeito a variações de dois tipos: primeiro, às decorrentes das quantidades
diferentes de ouro e prata que em tempos diferentes estão contidos na moeda da mesma
denominação; em segundo lugar, estaria exposta às variações derivantes dos valores
diferentes de quantidades iguais de ouro e prata em momentos diferentes.
Os príncipes e os Estados soberanos freqüentemente imaginaram ter interesse
temporário em diminuir a quantidade de metal puro contido em suas moedas, mas
raramente imaginaram ter interesse em aumentá-la. Eis por que a quantidade de metal
contido nas moedas - de todo o mundo, acredito - tem diminuído continuamente, e
dificilmente aumentou em algum caso. Tais variações, portanto, tendem quase sempre a
reduzir o valor de uma renda deixada em dinheiro.
A descoberta das minas da América diminuiu o valor do ouro e da prata na Europa.
Costuma-se supor - embora sem prová-lo com certeza, em meu modo de ver - que esta
redução ainda continua gradualmente, e assim continuará por muito tempo. Com base
nessa hipótese, portanto, tais variações têm mais probabilidade de diminuir do que de
aumentar o valor de uma renda deixada em dinheiro, mesmo estipulando-se que ela seja
paga não nessa ou naquela quantidade de dinheiro, em moeda desta ou daquela
denominação (em tantas ou tantas libras esterlinas, por exemplo), mas em tantas ou
tantas onças de prata pura ou de prata de um determinado padrão.
As rendas que foram reservadas em trigo conservaram muito melhor seu valor do que as
reservadas em dinheiro, mesmo que não tenham ocorrido mudanças na denominação do
dinheiro. No 18º ano do reinado de Isabel foi decretado que 1/3 da renda de todos os
arrendamentos de terras feitos por Universidades fosse reservado em trigo, e que essa
renda fosse paga em espécie ou em conformidade com os preços correntes do trigo no
mercado público mais próximo. Ora, segundo o Dr. Blasckstone, o dinheiro proveniente
dessa renda em trigo, embora originalmente constituísse apenas 1/3 do total, na época
atual representa quase o dobro do que provém dos outros 2/3. Segundo esse cálculo,
portanto, as antigas rendas em dinheiro das Universidades ficaram reduzidas mais ou
menos a 1/4 de seu antigo valor, ou seja, valem hoje apenas pouco mais de 1/4 da
quantidade de trigo que valiam antigamente. Ora, desde o reinado de Filipe e de Maria a
denominação do dinheiro inglês sofreu pouca ou nenhuma alteração, sendo que o
mesmo número de fibras, xelins e pence tem contido quase a mesma quantidade de
prata pura. Logo, essa redução do valor das rendas em dinheiro das Universidades se
deve inteiramente à diminuição do valor da prata.
Quando a diminuição do valor da prata se associa à redução da quantidade de prata
contida na moeda da mesma denominação, a perda é muitas vezes ainda maior, Na
Escócia, onde a denominação da moeda passou por mudanças muito maiores do que na
Inglaterra, e na França, onde as mudanças foram ainda maiores do que na Escócia,
algumas rendas antigas, originariamente de grande valor, foram dessa forma reduzidas
praticamente a zero.
Quantidades iguais de trabalho são compradas com maior precisão, em um futuro
distante, com quantidades iguais de trigo - a subsistência do trabalhador - do que com
quantidades iguais de ouro ou de prata, ou talvez com quantidades iguais de qualquer
outra mercadoria. Portanto, em um futuro distante, quantidades iguais de trigo terão o
mesmo valor real com maior precisão, possibilitando, a quem as possui, comprar com
maior precisão a mesma quantidade de trabalho alheio. Terão esse mesmo valor, digo,
com maior exatidão do que quantidades iguais de praticamente qualquer outra
mercadoria, já que mesmo em se tratando de trigo, quantidades iguais não terão
exatamente o mesmo valor que terão quantidades iguais de trabalho.
A subsistência do trabalhador, ou o preço real do trabalho, como procurarei demonstrar
adiante, varia muito de acordo com as ocasiões, sendo mais liberal em uma sociedade
que progride na riqueza do que em uma que está parada, e mais liberal em uma
sociedade que está parada, do que em uma que está regredindo. Entretanto, qualquer
outra mercadoria, em qualquer momento específico, comprará uma quantidade maior ou
menor de trabalho, em proporção à quantidade de subsistência que ela pode comprar na
referida ocasião. Por conseguinte, uma renda reservada em trigo está sujeita apenas às
variações da quantidade de trabalho que pode ser comprada por uma determinada
quantidade de trigo. Ao contrário, uma renda reservada em qualquer outra mercadoria
está sujeita não somente às variações da quantidade de trabalho que se pode comprar
por uma quantidade específica de trigo, mas também às variações da quantidade de trigo
que se pode comprar com qualquer quantidade específica da respectiva mercadoria.
Cumpre, porém, observar que, embora o valor real de uma renda em trigo varie muito
menos, de um século para outro, do que o valor de uma renda em dinheiro, ele varia
muito mais, de um ano para outro. O preço do trabalho em dinheiro, conforme
procurarei demonstrar adiante, não flutua de ano para ano com a flutuação do preço do
trigo em dinheiro, mas parece ajustar-se em toda parte, não ao preço temporário ou
ocasional do trigo, mas ao seu preço médio ou comum. Por sua vez o preço médio ou
comum do trigo - como tentarei igualmente demonstrar mais adiante - é regulado pelo
valor da prata, pela abundância ou escassez das minas que fornecem este metal ao
mercado, ou pela quantidade de trabalho que é preciso empregar - consequentemente
pela quantidade de trigo que deverá ser consumida - para fazer chegar urna determinada
quantidade de prata das minas até o mercado.
Ora, o valor da prata, embora por vezes varie muito de um século para outro, raramente
apresenta grande variação de um ano para outro, senão que geralmente continua
inalterado ou quase inalterado durante meio século ou até durante um século inteiro. Em
conseqüência, também o preço comum e médio do trigo em dinheiro pode continuar o
mesmo ou quase o mesmo durante um período tão longo, e juntamente com ele, também
o preço do trabalho em dinheiro, desde que, evidentemente, a sociedade permaneça, sob
outros aspectos, em condição igual ou que esta pouco se altere. Nesse meio-tempo, o
preço temporário ou ocasional do trigo pode muitas vezes, em um ano, dobrar em
relação ao preço do ano anterior, ou flutuar entre 25 e 50 xelins o quarter. (Nota do
Editor: como aparecerá nas páginas seguintes, quarter é uma medida inglesa para
cereais, equivalente a 1/4 do quintal, ou seja, 28 libras).
Mas, quando o trigo estiver a esse preço de 50 xelins o quarter, não somente o valor
nominal mas também o valor real de uma renda em trigo terá o dobro do valor que tinha
quando o quarter de trigo estava a 5 xelins, ou seja, conseguirá comprar o dobro da
quantidade de trabalho ou da maior parte das outras mercadorias; em contrapartida, o
preço do trabalho em dinheiro e, juntamente com ele, o da maioria das outras coisas,
continuará inalterado no decurso de todas as flutuações mencionadas.
Fica, pois, evidente que o trabalho é a única medida universal e a única medida precisa
de valor, ou seja, o único padrão através do qual podemos comparar os valores de
mercadorias diferentes, em todos os tempos e em todos os lugares. Não se pode estimar
o valor real de mercadorias diferentes de um século para outro, pelas quantidades de
prata pelas quais foram compradas. Não podemos estimar esse valor, de um ano para
outro, com base nas quantidades de trigo. Pelas quantidades de trabalho podemos, com
a máxima exatidão, calcular esse valor, tanto de um século para outro como de um ano
para outro. De um século para outro, o trigo é uma medida melhor do que a prata, pois
de século para século quantidades iguais de trigo poderão pagar a mesma quantidade de
trabalho com maior precisão do que quantidades iguais de prata. De um ano para outro,
ao contrário, a prata é uma medida melhor, já que quantidades iguais de prata podem
pagar com maior precisão a mesma quantidade de trabalho.
Contudo, embora ao estabelecer rendas perpétuas, ou mesmo no caso de arrendamentos
muito longos, possa ser útil distinguir entre o preço real e o preço nominal, esta
distinção não tem utilidade nas transações de compra e venda, as mais comuns e
normais da vida humana.
No mesmo tempo e no mesmo lugar, o preço real e o preço nominal de todas as
mercadorias estão exatamente em proporção um com o outro. Por exemplo: quanto mais
ou quanto menos dinheiro se receber por uma mercadoria qualquer no mercado de
Londres, tanto mais ou tanto menos trabalho se poderá, no mesmo tempo e no mesmo
lugar, comprar ou comandar. No mesmo tempo e lugar, portanto o dinheiro é a medida
exata do valor real de troca de todas as mercadorias. Assim é, porém, somente no
mesmo tempo e no mesmo lugar.
Embora em lugares distantes não haja proporção regular entre o preço real e o preço em
dinheiro das mercadorias, o comerciante que leva bens, de um lugar para outro só
precisa considerar o preço em dinheiro, ou a diferença entre a quantidade de prata pela
qual os compra e aquela pela qual tem probabilidade de vendê-los. Meia onça de prata
em Cantão, na China, pode comandar uma quantidade maior de trabalho e de artigos
necessários e convenientes para a vida, do que 1 onça em Londres. Portanto, uma
mercadoria que se vende por 1/2 onça de prata em Cantão pode ser lá realmente mais
cara, de importância real maior para a pessoa que a possui lá, do que uma mercadoria
que se vende por 1/2 onça em Londres o é para a pessoa que a possui em Londres.
Se, porém, um comerciante londrino puder comprar em Cantão, por 1/2 onça de prata,
uma mercadoria que depois pode vender em Londres por 1 onça, ganhará 100% no
negócio - exatamente tanto quanto se 1 onça de prata tivesse em Londres exatamente o
mesmo valor que em Cantão. Não importa para ele se 1/2 onça de prata em Cantão lhe
teria permitido comprar mais trabalho e quantidade maior de artigos necessários ou
convenientes para a vida do que uma onça em Londres. Uma onça de prata em Londres
sempre lhe permitirá comandar o duplo da quantidade de trabalho e de mercadorias, em
relação ao que lhe poderia permitir 1/2 onça de prata em Cantão, é precisamente isso
que o comerciante quer.
Uma vez que, portanto, é o preço nominal das coisas, ou seja, o seu preço em dinheiro,
que em última análise determina se uma certa compra ou venda é prudente ou
imprudente, e consequentemente é esse o preço que regula quase toda a economia na
vida real normal em que entra em jogo o preço, não é de admirar que se lhe tenha
dispensado muito mais atenção do que ao preço real.
Em uma obra como esta, porém, por vezes pode ser útil comparar os valores reais
diferentes de uma mercadoria em tempos e lugares diferentes, ou seja, os diferentes
graus de poder sobre o trabalho alheio que a referida mercadoria pode ter dado, em
ocasiões diferentes, àqueles que a possuíam. Nesse caso, devemos comparar não tanto
as diferentes quantidades de prata pelas quais a mercadoria era normalmente vendida,
mas antes as diferentes quantidades de trabalho que poderiam ter sido compradas por
essas quantidades diferentes de prata.
Todavia, dificilmente se poderá saber, com algum grau de precisão, os preços correntes
do trabalho em tempos e lugares distantes. Os do trigo, embora só tenham sido
registrados com regularidade em certos lugares, geralmente são mais bem conhecidos e
foram anotados com maior freqüência pelos historiadores e outros escritores.
Geralmente, pois, temos que contentar-nos com esses preços, não como se estivessem
sempre exatamente na mesma proporção que os preços correntes do trabalho, mas como
sendo a maior aproximação que geralmente se pode ter em relação a essa proporção.
Mais adiante terei ocasião de fazer várias comparações desse tipo.
À medida que avançava a indústria, as nações comerciantes consideraram conveniente
cunhar dinheiro-moeda em metais diferentes: em ouro para pagamentos maiores, em
prata para compras de valor moderado e em cobre - ou outro metal menos nobre - para
as compras de valor ainda menor. Todavia, sempre consideraram um desses metais
como sendo a medida ou o padrão de valor mais peculiar do que o dos outros dois
metais; essa preferência parece geralmente haver sido dada àquele metal que havia sido
o primeiro a ser usado por essas nações como instrumento de comércio. Tendo uma vez
começado a utilizar esse metal como seu padrão - e o devem ter feito quando não
dispunham de outro dinheiro - geralmente as nações continuaram a utilizar como
dinheiro esse metal, mesmo quando a necessidade já não era mais a mesma.
Pelo que se diz, os romanos só possuíam dinheiro em cobre até cinco anos antes da 1
Guerra Púnica (Plínio. Op. Cit. Livro Trigésimo Terceiro. Cap. III) quando então
começaram pela primeira vez a cunhar moeda em prata. Por isso, ao que parece, o cobre
continuou, mesmo depois disso, a vigorar sempre como a medida de valor na República
romana. Em Roma todos os cálculos eram feitos ou em asses ou em sestércios e na
mesma moeda eram também computadas todas as propriedades fundiárias.
Ora, o asse sempre foi a denominação de uma moeda de cobre. A palavra sestertius
significa 2 1/2 asses. Embora, portanto, originalmente o sestércio fosse uma moeda de
prata, seu valor era calculado em cobre. Em Roma, quem possuísse muito dinheiro, era
mencionado como tendo muito cobre de outras pessoas.
As nações nórdicas que se estabeleceram sobre as ruínas do Império Romano parecem
ter adotado desde o início o dinheiro de prata, e não ter conhecido moedas de ouro ou de
cobre por muito tempo depois. Havia moedas de prata na Inglaterra, ao tempo dos
saxões, mas poucas moedas de ouro até à época de Eduardo III, e nenhuma moeda de
cobre até à de Jaime I, da Grã-Bretanha. Na Inglaterra, portanto - e em todas as outras
nações européias modernas, pelas mesmas razões, como acredito - todos os cálculos e a
contabilidade são feitos em prata, sendo em prata que também se computa geralmente o
valor de todos os bens e propriedades. Quando queremos expressar o valor da fortuna de
alguém, raramente mencionamos o número de guinéus; o que fazemos é mencionar o
número de libras esterlinas que supostamente se daria pela fortuna.
Inicialmente, em todos os países, creio, um pagamento legal corrente só podia ser feito
na moeda do metal que era particularmente considerado como padrão ou medida de
valor. Na Inglaterra, o ouro não era inicialmente considerado como moeda corrente,
ainda muito tempo depois de haver moedas de ouro. A proporção entre os valores do
ouro e da prata não era determinada por lei pública ou por proclamação, mas sua fixação
era deixada ao encargo do mercado. Se um devedor oferecia pagamento em ouro, o
credor podia simplesmente recusar este pagamento, ou então aceitá-lo, mas o valor era
acordado entre as duas partes. Atualmente, o cobre não é moeda legal, a não ser como
troco para moedas de prata menores. Nessa conjuntura, a diferenciação entre o metal
que era o padrão e o metal que não o era constituía algo mais que uma distinção
nominal.
No decorrer do tempo, e à medida em que as pessoas se familiarizavam cada vez mais
com o uso dos diversos metais em moeda, e consequentemente também com a
proporção existente entre os valores respectivos, considerou-se conveniente, na maioria
dos países - conforme acredito -, fixar com segurança essa proporção, sancionando por
lei, por exemplo, que 1 guinéu de tal peso e tal quilate eqüivale a 21 xelins, ou seja,
representa um pagamento legal para um débito desse montante. Nessa situação, e
enquanto durar uma proporção regulamentada desse tipo, a distinção entre o metalpadrão
e o metal que não é padrão toma-se pouco mais do que uma distinção nominal.
Todavia, se houver qualquer mudança nessa proporção regulamentada, novamente a
distinção toma-se - ou ao menos parece tornar-se - algo mais do que uma distinção
puramente nominal. Se, por exemplo, o valor de 1 guinéu regulamentado fosse reduzido
para 20 xelins, ou subisse para 22 xelins, sendo todos os cálculos e a contabilidade
feitos em moeda-prata e quase todas as obrigações de débito sendo expressas na mesma
moeda, a maior parte dos pagamentos poderia ser feita com a mesma quantidade de
moeda-prata que antes; todavia, seriam necessárias quantidades muito diferentes de
moeda-ouro - uma quantidade maior em um caso, e uma quantidade menor, no outro. O
valor da prata variaria menos que o do ouro.
A prata serviria para medir o ouro, mas não vice-versa. O valor do ouro pareceria
depender da quantidade de prata pela qual seria trocado. ao passo que o valor da prata
não pareceria depender da quantidade de ouro pela qual seria trocaria. Essa diferença,
porém, dever-se-ia toda ela ao costume de contabilizar e exprimir o montante de todas
as somas, grandes e pequenas, em moeda-prata, e não em moeda-ouro. Uma das notas
promissórias do Sr. Drummond, de 25 ou 50 guinéus, continuaria a poder ser paga, após
urna alteração desse tipo, com 25 ou 50 guinéus, da mesma forma que antes. Após tal
mudança, a nota poderia ser paga com a mesma quantidade de ouro que antes, mas com
quantidades muito diferentes de prata. No pagamento dessa nota, o valor de ouro seda
menos variável do que o da prata. O ouro mediria o valor da prata, mas não vice-versa.
No caso de se generalizar o costume de contabilizar, e de expressar dessa forma notas
promissórias e outras obrigações em dinheiro, o ouro, e não a prata, seria considerado
como o metal-padrão para medir o valor.
Na realidade, enquanto perdurar alguma proporção regulamentada entre os respectivos
valores dos diferentes metais em dinheiro, o valor dos metais mais preciosos determina
o valor de todo o dinheiro. 12 pence de cobre contêm 1/2 libra avoirdupoids de cobre -
não da melhor qualidade -, o qual, antes de ser cunhado, raramente vale 7 pence em
prata. Mas, como a regulamentação estabelece que 12 desses pence eqüivalem a 1
xelim, o mercado considera que eles valem 1 xelim, podendo-se a qualquer momento
receber por eles 1 xelim. Mesmo antes da última reforma da moeda-ouro da Grã-
Bretanha, o ouro - ao menos a parte que circulava em Londres e nas vizinhanças -, em
comparação com a maior parte da prata, desceu menos abaixo de seu peso-padrão.
Todavia, 21 xelins já desgastados e com a inscrição um tanto apagada eram
considerados corno equivalentes a 1 guinéu, o qual talvez também já apresentava certo
desgaste, mas raramente tão grande como as moedas de xelins. As últimas
regulamentações talvez levaram a moeda-ouro o mais próximo de seu peso-padrão que é
possível atingir em qualquer nação; e a ordem de só receber moeda-ouro nos locais
públicos, por peso, provavelmente preservará essa garantia, enquanto essa ordem for
aplicada. A moeda-prata continua ainda no mesmo estado de desgaste e desvalorização
que antes da reforma da moeda-ouro. No mercado, porém, 21 xelins dessa moeda-prata
desvalorizada continuam a ser considerados como valendo 1 guinéu dessa moeda de
excelente ouro.
Evidentemente, a reforma da moeda-ouro aumentou o valor da moeda-prata que se dá
em troca.
Na Casa da Moeda inglesa, 1 libra-peso de ouro é cunhada em 44 1/2 guinéus, os quais,
valendo o guinéu 21 xelins, eqüivalem a 46 libras, 14 xelins e 6 pence. Por conseguinte,
1 onça dessa moeda-ouro vale £ 3. 17 s. 10 1/2 d. em prata. Na Inglaterra, não se paga
taxa pela cunhagem, razão pela qual quem leva 1 libra-peso ou 1 onça de ouro-padrão à
Casa da Moeda, recebe de volta 1 libra-peso ou 1 onça de ouro em moeda, sem
nenhuma dedução. Diz-se, pois, que 3 libras esterlinas, 17 xelins e 10 1/2 pence por
onça são o preço do ouro na Casa da Moeda da Inglaterra, ou seja, a quantidade de ouro
em moeda que a Casa da Moeda paga pelo ouro-padrão em lingote.
Antes da reforma da moeda-ouro, o preço do ouro-padrão em lingote no mercado
durante muitos anos esteve acima de £ 3. 18 s., às vezes acima de £ 3. 19 s., e com
muita freqüência, acima de 4 libras esterlinas por onça, sendo que esse montante, no
estado de desgaste e desvalorização da moeda-ouro, provavelmente em poucos casos
continha mais do que 1 onça de ouro-padrão. Desde a reforma da moeda-ouro, o preço
de mercado do ouro-padrão em lingote raramente supera £ 3. 17 s. 7 d. por onça. Antes
da reforma da moeda-ouro, o preço de mercado estava sempre mais ou menos acima do
preço da Casa da Moeda. A partir dessa reforma, o preço de mercado esteve
constantemente abaixo do preço da Casa da Moeda. Mas esse preço de mercado é o
mesmo, quer seja pago em moeda de ouro ou em moeda de prata.
Por isso, a recente reforma da moeda-ouro elevou não somente o valor da moeda-ouro,
mas também da moeda-prata, em proporção com o ouro em lingote, e provavelmente
também em proporção a todas as outras mercadorias, embora pelo fato de o preço da
maior parte das outras mercadorias ser influenciado por tantas outras causas, o aumento
do valor da moeda-ouro ou da moeda-prata, em proporção com as mercadorias, possa
não ser tão claro e perceptível.
Na Casa da Moeda da Inglaterra, 1 libra-peso de prata-padrão em barras é cunhada em
62 xelins, contendo, da mesma forma, 1 libra-peso de prata-padrão. Diz-se, pois, que 5
xelins e 2 pence por onça constituem o preço da prata na Casa da Moeda da Inglaterra,
ou a quantidade da moeda-prata que a Casa da Moeda dá em troco de prata-padrão em
barras. Antes da reforma da moeda-ouro, o preço de mercado da prata-padrão em barras
era, em ocasiões diferentes, 5 xelins e 4 pence, 5 xelins e 7 pence, e com muita
freqüência 5 xelins e 8 pence, por onça. Todavia, 5 xelins e 7 pence parecem ter sido o
preço mais comum. A partir da reforma da moeda-ouro, o preço de mercado da pratapadrão
em barras caiu em certas ocasiões para 5 xelins e 3 pence, 5 xelins e 4 pence, e 5
xelins e 5 pence, por onça, sendo que dificilmente ultrapassou alguma vez esse último
preço. Embora o preço de mercado da prata-padrão em barras tenha caído
consideravelmente desde a reforma da moeda-ouro, não baixou tanto como o preço da
Casa da Moeda.
Na proporção entre os diversos metais na moeda inglesa, assim corno o cobre é cotado
muito acima do seu valor real, da mesma forma a prata é cotada levemente abaixo do
seu valor real. No mercado da Europa, na moeda francesa e na holandesa, por 1 onça de
ouro fino se obtêm aproximadamente 14 onças de prata fina. Já no dinheiro inglês, por 1
onça de ouro fino se obtém em tomo de 15 onças de prata, isto é, mais do que vale o
ouro na estimativa geral da Europa. Mas já que o preço do cobre em barras não é
aumentado - mesmo na Inglaterra - pelo alto preço do cobre em dinheiro inglês, o preço
da prata em barras não é baixado pelo baixo valor da prata em dinheiro inglês. A prata
em barras ainda conserva sua proporção adequada com o ouro; e pela mesma razão, o
cobre em barras conserva sua proporção adequada em relação à prata.
Com a reforma da moeda-prata no reinado de Guilherme III, o preço da prata em barras
ainda continuou algo acima do preço da Casa da Moeda. Locke atribuiu esse alto preço
à permissão de exportar moeda-prata. Dizia ele que essa permissão de exportar fez com
que a demanda de prata em barras fosse maior que a demanda de prata em moeda.
Todavia, certamente o número de pessoas que desejam moeda-prata para os usos
comuns de comprar e vender no país certamente é muito superior ao daqueles que
querem prata em barras ou para exportar ou para alguma outra finalidade.
Atualmente existe uma permissão semelhante para exportar ouro em lingote, e uma
proibição semelhante de exportar ouro em moeda; e no entanto, o preço do ouro em
lingote desceu abaixo do preço da Casa da Moeda. Ora, no dinheiro inglês, a prata
estava, então como hoje, abaixo do preço, em proporção com o ouro; e o dinheiro-ouro,
que na época não parecia necessitar de reforma, regulava, tanto então como hoje, o
valor real de todo o dinheiro. Já que a reforma da moeda-prata não reduziu na época o
preço da prata em barras ao preço da Casa da Moeda, não é muito provável que uma
reforma similar o fizesse hoje.
Se a moeda-prata fosse novamente aproximada ao seu peso-padrão, tanto quanto o ouro,
é provável que 1 guinéu, de acordo com a proporção atual, pudesse ser trocado por mais
prata em dinheiro do que aquilo que o guinéu poderia comprar em barra. Contendo a
prata seu pleno peso-padrão, nesse caso haveria lucro em fundi-la, a fim de primeiro
vender a barra por moeda-ouro, e depois trocar essa moeda-ouro por moeda-prata a ser
fundida da mesma forma. Ao que parece, o único método de evitar esse inconveniente
consiste em fazer alguma alteração na proporção atual.
Possivelmente, o inconveniente seria menor se a moeda-prata fosse cotada acima da sua
proporção adequada em relação ao ouro, na mesma porcentagem em que atualmente
está cotada abaixo dele; isso, desde que ao mesmo tempo se decretasse que a prata não
fosse moeda legal para mais do que o câmbio de 1 guinéu, da mesma forma como o
cobre não é moeda legal para mais do que o câmbio de 1 xelim. Nesse caso, nenhum
credor poderia ser fraudado em conseqüência da alta valorização da prata em dinheiro,
da mesma forma que atualmente nenhum credor pode ser fraudado em decorrência da
alta valorização do cobre. Somente os bancos sofreriam com tal regulamentação.
Quando eles são pressionados por uma corrida, às vezes procuram ganhar tempo
pagando em 6 pence, ao passo que uma tal regulamentação os impediria de utilizar o
condenável método de deixar de efetuar imediatamente os pagamentos. Em
conseqüência, seriam obrigados a conservar sempre nos cofres uma quantidade de
dinheiro disponível maior do que atualmente; e embora essa regulamentação
constituísse eventualmente um inconveniente considerável para os banqueiros, ao
mesmo tempo representaria uma segurança apreciável para seus credores. £ 3. 17 s. e 10
1/2 d. (preço do ouro na Casa da Moeda) certamente não contêm, mesmo em nossa
excelente moeda-ouro atual, mais do que 1 onça de ouro-padrão, e poder-se-ia pensar,
portanto, que essa quantia não possa comprar mais ouro-padrão em lingotes do que isso.
Mas o ouro em moeda é mais conveniente do que o ouro em lingote e embora na
Inglaterra a cunhagem seja livre, o ouro que é levado em lingote à Casa da Moeda
raramente pode ser restituído em dinheiro ao proprietário antes de algumas semanas - e
no ritmo atual de operação da Casa da Moeda, isso não poderia ocorrer antes de vários
meses. Essa demora eqüivale a certa taxa ou imposto, fazendo com que o ouro em
dinheiro tenha valor algo maior do que uma quantidade igual de ouro em barra. Se no
sistema monetário inglês a prata fosse cotada de acordo com sua proporção adequada
em relação ao ouro, o preço da prata em barras provavelmente cairia abaixo do preço da
Casa da Moeda, mesmo sem nenhuma reforma da moeda-prata; e até o valor das atuais
moedas de prata, já tão desgastadas pelo uso, seria regulado pelo valor da excelente
moeda-ouro pela qual podem ser cambiadas.
Provavelmente, a introdução de uma pequena taxa cobrada pela cunhagem, tanto de
ouro como de prata, aumentaria ainda mais a superioridade desses metais em moeda, em
relação a uma quantidade igual de cada um desses dois metais em barra. Nesse caso, a
cunhagem aumentaria o valor do metal cunhado em proporção à extensão dessa pequena
taxa, pela mesma razão que a moda aumenta o valor das baixelas de prata ou ouro em
proporção com o preço dessa moda. A superioridade da moeda sobre o metal em barras
evitaria a fusão das moedas e desestimularia sua exportação. E se, por alguma exigência
do bem-estar público, se tomasse necessário exportar as moedas, a maior parte delas
voltaria logo, espontaneamente. No exterior, essas moedas só poderiam ser vendidas
pelo seu peso em barras. Em nosso país, elas poderiam ser vendidas por mais do que
isso. Por conseguinte, haveria um lucro em reconduzi-las ao país. Na França, impõe-se
uma taxa de aproximadamente 8% na cunhagem; conforme se afirma, a moeda francesa,
quando exportada, regressa novamente ao país espontaneamente.
As flutuações ocasionais do preço de mercado do ouro e da prata em barras derivam das
mesmas causas que as flutuações similares que ocorrem no preço de mercado de todas
as outras mercadorias. A perda freqüente desses metais - devido a acidentes de
transporte por mar e terra, ao consumo contínuo dos mesmos nas operações de douração
e incrustação, à confecção de adornos etc., ao desgaste das moedas pelo uso freqüente -
exige, em todos os países que não possuem minas próprias, uma importação contínua, a
fim de compensar essas perdas. Os importadores - como aliás todos os comerciantes,
suponho - procuram, na medida do possível, adaptar suas importações à demanda
imediata conforme seu cálculo de probabilidade. Todavia, não obstante todas as
cautelas, por vezes exageram nas importações, por vezes ficam abaixo da demanda real.
Quando importam mais ouro ou prata do que a demanda exige, ao invés de assumirem o
risco e o incômodo de reexportar o excedente, às vezes preferem vender urna parte a
preço levemente abaixo do preço normal ou médio. Ao contrário, quando importam
menos do que o desejado pela demanda, às vezes conseguem preços superiores aos
normais ou médios. Mas quando, com todas essas flutuações ocasionais, o preço de
mercado, do ouro ou da prata em barras, continua durante vários anos consecutivos a
manter-se constantemente mais ou menos acima ou mais ou menos abaixo do preço da
Casa da Moeda, podemos estar certos de que essa constante superioridade ou
inferioridade é resultante de alguma coisa no tocante ao estado da moeda, fator esse que
faz com que certa quantidade de moeda eqüivalha a mais ou a menos do que a
quantidade exata de metal em lingote que a moeda deve conter. A constância e a
firmeza do efeito supõem constância e firmeza proporcionais na causa.
O dinheiro de qualquer país constitui, em qualquer tempo e lugar específico, uma
medida mais ou menos acurada do valor, conforme a moeda corrente compatibilizar
mais ou menos exatamente com seu padrão, ou seja, conforme ela contiver com
precisão maior ou menor a quantidade exata de ouro puro ou prata pura que deve conter.
Se, por exemplo, na Inglaterra, 44 1/2 guinéus contivessem exatamente 1 libra-peso de
ouro-padrão, ou 11 onças de ouro fino e 1 onça de ouro-liga, a moeda-ouro na Inglaterra
seria uma medida tão precisa do valor efetivo das mercadorias a qualquer tempo e lugar,
quanto a natureza das coisas permitisse.
Se, ao contrário, devido à fricção constante e ao uso, 44 1/2 guinéus geralmente
contiverem menos do que 1 libra-peso de ouro-padrão, e a diminuição for maior em
algumas peças do que em outras, o dinheiro como medida do valor estará sujeito ao
mesmo tipo de imprecisão ao qual estão expostos normalmente todos os outros pesos e
medidas. Já que raramente acontece que as moedas estejam totalmente de acordo com o
padrão, o comerciante ajusta o preço de suas mercadorias da melhor forma que pode,
não aos pesos e medidas ideais, mas àquilo que, na média e baseado na experiência,
considera serem os preços efetivos. Em conseqüência de tal desajuste da moeda ajustase
o preço das mercadorias não à quantidade de ouro ou prata puros que a moeda
deveria conter, mas àquilo que, na média, e com base na experiência, se considera que
ela contém efetivamente.
Cumpre observar que por preço das mercadorias em dinheiro entendo sempre a
quantidade de ouro ou prata puros pela qual são vendidas, abstraindo totalmente da
denominação da moeda. Por exemplo: considero que 6 xelins e 8 pence, na época de
Eduardo I, são o mesmo preço em dinheiro que 1 libra esterlina no momento atual; isto
porque os 6 xelins e 8 pence do tempo de Eduardo I continuam sendo - na medida em
que possamos julgar - a mesma quantidade de prata pura de 1 libra esterlina nos dias de
hoje.
Capítulo VI
Fatores que compõem o preço das mercadorias
No estágio antigo e primitivo que precede ao acúmulo de patrimônio ou capital e à
apropriação da terra, a proporção entre as quantidades de trabalho necessárias para
adquirir os diversos objetos parece ser a única circunstância capaz de fornecer alguma
norma ou padrão para trocar esses objetos uns pelos outros. Por exemplo, se em uma
nação de caçadores abater um castor custa duas vezes mais trabalho do que abater um
cervo, um castor deve ser trocado por - ou então, vale - dois cervos. É natural que aquilo
que normalmente é o produto do trabalho de dois dias ou de duas horas valha o dobro
daquilo que é produto do trabalho de um dia ou uma hora.
Se um tipo de trabalho for mais duro que o outro, naturalmente deve-se deixar uma
margem para essa maior dureza; nesse caso, o produto de uma hora de trabalho de um
tipo freqüentemente pode eqüivaler ao de duas horas de trabalho de outro.
Ou então, se um tipo de trabalho exige um grau incomum de destreza e engenho, a
estima que as pessoas têm por esses talentos naturalmente dará ao respectivo produto
um valor superior àquele que seria devido ao tempo nele empregado. Tais talentos
raramente podem ser adquiridos senão mediante longa experiência e o valor superior do
seu produto muitas vezes não pode consistir em outra coisa senão numa compensação
razoável pelo tempo e trabalho despendidos na aquisição dessas habilidades. Em
sociedades desenvolvidas, essa compensação pela maior dureza de trabalho ou pela
maior habilidade costuma ser feita através dos salários pagos pelo trabalho: algo
semelhante deve ter havido provavelmente nos estágios mais primitivos da civilização.
Nessa situação, todo o produto do trabalho pertence ao trabalhador, e a quantidade de
trabalho normalmente empregada em adquirir ou produzir uma mercadoria é a única
circunstância capaz de regular ou determinar a quantidade de trabalho que ela
normalmente deve comprar, comandar ou pela qual deve ser trocada.
No momento em que o patrimônio ou capital se acumulou nas mãos de pessoas
particulares, algumas delas naturalmente empregarão esse capital para contratar pessoas
laboriosas, fornecendo-lhes matérias-primas e subsistência a fim de auferir lucro com a
venda do trabalho dessas pessoas ou com aquilo que este trabalho acrescenta ao valor
desses materiais. Ao trocar-se o produto acabado por dinheiro ou por trabalho, ou por
outros bens, além do que pode ser suficiente para pagar o preço dos materiais e os
salários dos trabalhadores, deverá resultar algo para pagar os lucros do empresário, pelo
seu trabalho e pelo risco que ele assume ao empreender esse negócio.
Nesse caso, o valor que os trabalhadores acrescentam aos materiais desdobra-se, pois,
em duas partes ou componentes, sendo que a primeira paga os salários dos
trabalhadores, e a outra, os lucros do empresário, por todo o capital e os salários que ele
adianta no negócio. Com efeito, o empresário não poderia ter interesse algum em
empenhar esses bens, se não esperasse da venda do trabalho de seus operários algo mais
do que seria o suficiente para restituir-lhe o estoque, patrimônio ou capital investido;
por outro lado, o empresário não poderia ter interesse algum em empregar um
patrimônio maior, em lugar de um menor, caso seus lucros não tivessem alguma
proporção com a extensão do patrimônio investido.
Poder-se-ia talvez pensar que os lucros do patrimônio não passam de uma designação
diferente para os salários de um tipo especial de trabalho, isto é, o trabalho de
inspecionar e dirigir a empresa. No entanto, trata-se de duas coisas bem diferentes; o
lucro é regulado por princípios totalmente distintos, não tendo nenhuma proporção com
a quantidade, a dureza ou o engenho desse suposto trabalho de inspecionar e dirigir. E
totalmente regulado pelo valor do capital ou patrimônio empregado, sendo o lucro
maior ou menor em proporção com a extensão desse patrimônio. Suponhamos, por
exemplo, que em determinada localidade, em que o lucro anual normal do patrimônio
empenhado em manufatura é de 10%, existam duas manufaturas diferentes, que
empregam, cada uma delas, vinte operários, recebendo cada um 15 libras esterlinas por
ano, ou seja, tendo cada uma das duas manufaturas uma despesa de 300 libras esterlinas
por ano para pagar os operários.
Suponhamos também que os materiais usados e as matérias-primas processadas
anualmente pela primeira manufatura sejam pouco refinadas e custem apenas 700 libras
esterlinas, ao passo que as matérias-primas utilizadas pela segunda são mais refinadas e
custam 7 mil libras esterlinas. Nesse caso, o capital anual empregado na primeira é de
apenas 1000 libras, ao passo que o capital empenhado na segunda será de 7 300 libras
esterlinas.
A taxa de 10%, portanto, o primeiro empresário esperará um lucro anual aproximado de
apenas 100 libras, enquanto o segundo esperará um lucro anual de 730 libras esterlinas.
Todavia, embora seus lucros sejam muito diferentes, seu trabalho de inspeção e direção
pode ser quase ou totalmente igual. Em muitas manufaturas grandes, esse trabalho de
inspeção e direção é confiado a algum funcionário de relevo. Seus salários expressam
adequadamente o valor desse tipo de trabalho. Embora ao empregar esses funcionários
geralmente se considere, até certo ponto, não somente seu trabalho e sua habilidade,
mas também a confiança que nele se deposita, esses fatores nunca têm uma proporção
regular cuja administração eles supervisionam; e o proprietário desse capital, embora
fique assim quase isento desse trabalho, continua a esperar que seus lucros mantenham
uma proporção regular com seu capital. Por conseguinte, no preço das mercadorias, os
lucros do patrimônio ou capital empenhado constituem um componente totalmente
distinto dos salários pagos pelo trabalho, sendo regulados por princípios bem diferentes.
Já nessa situação, o produto total do trabalho nem sempre pertence ao trabalhador. Na
maioria dos casos, este deve reparti-lo com o dono do capital que lhe dá emprego.
Também já não se pode dizer que a quantidade de trabalho normalmente empregada
para adquirir ou produzir uma mercadoria seja a única circunstância a determinar a
quantidade que ele normalmente pode comprar, comandar ou pela qual pode ser trocada.
É evidente que uma quantidade adicional é devida pelos lucros do capital, pois este
adiantou os salários e forneceu os materiais para o trabalho dos operários.
No momento em que toda a terra de um país se tomou propriedade privada, os donos
das terras, como quaisquer outras pessoas, gostam de colher onde nunca semearam,
exigindo uma renda, mesmo pelos produtos naturais da terra. A madeira da floresta, o
capim do campo e todos os frutos da terra, os quais, quando a terra era comum a todos,
custavam ao trabalhador apenas o trabalho de apanhá-los, a partir dessa nova situação
têm o seu preço onerado por algo mais, inclusive para o trabalhador. Ele passa a ter que
pagar pela permissão de apanhar esses bens, e deve dar ao proprietário da terra uma
parte daquilo que o seu trabalho colhe ou produz. Essa porção, ou, o que é a mesma
coisa, o preço dessa porção, constitui a renda da terra, constituindo, no caso da maior
parte das mercadorias, um terceiro componente do preço.
Importa observar que o valor real dos diversos componentes do preço é medido pela
quantidade de trabalho que cada um deles pode comprar ou comandar. O trabalho mede
o valor não somente daquela parte do preço que se desdobra em trabalho efetivo, mas
também daquela representada pela renda da terra, e daquela que se desdobra no lucro
devido ao empresário.
Em toda sociedade, o preço de qualquer mercadoria, em última análise, se desdobra em
um ou outro desses três fatores, ou então nos três conjuntamente; e em toda sociedade
mais evoluída, os três componentes integram, em medida maior ou menor, o preço da
grande maioria das mercadorias.
No preço do trigo, por exemplo, uma parte paga a renda devida ao dono da terra, uma
outra paga os salários ou manutenção dos trabalhadores e do gado empregado na
produção do trigo, e a terceira paga o lucro do responsável pela exploração da terra.
Essas três partes perfazem, diretamente ou em última análise, o preço total do trigo.
Poder-se-ia talvez pensar que é necessária uma quarta parte, para substituir o capital do
responsável direto pela exploração da terra, ou para compensar o desgaste do gado
empregado no cultivo e o desgaste de outros equipamentos agrícolas.
Todavia, deve-se considerar que o próprio preço e qualquer equipamento ou
instrumento agrícola, como por exemplo de um cavalo utilizado no trabalho, se compõe
também ele dos mesmos três itens enumerados: a renda da terra na qual o cavalo é
criado, o trabalho despendido em criá-lo e cuidar dele, e os lucros do responsável pela
exploração da terra, que adianta tanto a renda da terra como os salários do trabalho. Eis
por que, embora o preço do trigo possa pagar o preço e a manutenção do cavalo, o preço
total continua a desdobrar-se, diretamente ou em última análise, nos três componentes:
renda da terra, trabalho e lucros.
No preço da farinha de trigo ou de outras farinhas temos que acrescentar ao preço do
trigo os lucros do moleiro e os salários de seus empregados; no preço do pão, os lucros
do padeiro e os salários de seus empregados; e no preço de ambos, temos que
acrescentar o trabalho necessário para transportar o trigo da casa do agricultor para o
moinho, e do moinho para a padaria, juntamente com os lucros daqueles que adiantam
os salários correspondentes àquele trabalho.
O preço do linho em estado bruto desdobra-se nos mesmos três componentes que
perfazem o preço do trigo. No preço do tecido de linho, é preciso acrescentar a esse
preço os salários do preparador, do fiandeiro, do tecelão, do branqueador etc., além dos
lucros de seus respectivos empregadores.
Quanto mais determinada mercadoria sofre uma transformação manufatureira, a parte
do preço representada pelos salários e pelo lucro se torna maior em comparação com a
que consiste na renda da terra. Com o progresso da manufatura, não somente cresce o
volume de lucros, mas cada lucro subseqüente é maior do que o anterior, pois o capital
do qual provém o lucro deve ser sempre maior.
Por exemplo, o capital que dá emprego aos tecelões deve ser maior do que o capital que
dá emprego aos fiandeiros, porque esse capital repõe aquele capital com seus lucros,
como também paga os salários dos tecelões e os lucros sempre devem manter alguma
proporção com o capital.
Nas sociedades mais desenvolvidas, porém, existem sempre algumas mercadorias cujo
preço se decompõe em apenas dois fatores: os salários do trabalho e os lucros do
patrimônio ou capital; existindo também um número ainda menor de mercadorias, em
que o preço total consiste unicamente nos salários do trabalho. No preço de peixe do
mar, por exemplo, uma parte paga o trabalho dos pescadores, e a outra os lucros do
capital empregado na pesca. É muito raro, neste caso, que a renda paga pelo
arrendamento da terra também seja um componente do preço, embora isto aconteça às
vezes, como exporei adiante. É diferente o caso da pesca fluvial, ao menos na maior
parte dos países da Europa, A pesca de salmão paga uma renda, a qual, embora no caso
não se possa propriamente denorniná-la renda por arrendamento de terra, faz parte do
preço de um salmão, tanto quanto os salários e o lucro.
Em algumas regiões da Escócia, certas pessoas se ocupam com juntar, ao longo da
praia, essas pedrinhas variegadas comumente conhecidas sob o nome de Scotch
Pebbles. O preço que o canteiro lhes paga é simplesmente o salário de seu trabalho; no
caso, nem a renda da terra nem o lucro fazem parte do preço.
Entretanto, o preço total de uma mercadoria ainda deve, em última análise, constar de
algum dos três componentes citados, ou dos três conjuntamente, visto que tudo o que
restar desse preço total, depois de pagos a renda da terra e o preço de todo o trabalho
empregado em obter a matéria-prima, em fabricar a mercadoria e levá-la ao mercado,
necessariamente será o lucro de alguém.
Assim como o preço ou valor de troca de cada mercadoria especifica, considerada
isoladamente, se decompõe em algum dos três itens ou nos três conjuntamente, da
mesma forma o preço ou valor de troca de todas as mercadorias que constituem a renda
anual completa de um país - considerando-se as mercadorias em seu complexo total -
deve decompor-se nos mesmos três itens, devendo esse preço ser dividido entre os
diferentes habitantes do pais, ou como salários pelo trabalho, corno lucros do capital
investido, ou como renda da terra. Assim sendo, o que é anualmente obtido ou
produzido pelo trabalho de cada sociedade, ou - o que é a mesma coisa - o preço total
disso, é originariamente distribuído entre alguns dos membros da sociedade. Salários,
lucro e renda da terra, eis as três fontes originais de toda receita ou renda, e de todo
valor de troca. Qualquer outra receita ou renda provém, em última análise, de um ou de
outro desses três fatores.
Todo aquele que aufere sua renda de um fundo que lhe pertence necessariamente a
aufere de seu trabalho, de seu patrimônio ou de sua terra. A renda auferida do trabalho
denomina-se salário. A renda auferida do patrimônio ou capital, pela pessoa que o
administra ou o emprega, chama-se lucro. A renda auferida por uma pessoa que não
emprega ela mesma seu capital, mas o empresta a outra, denomina-se juros ou uso do
dinheiro. É a compensação que o tomador paga a quem empresta, pelo lucro que pode
auferir fazendo uso do dinheiro.
Naturalmente, uma parte desse lucro pertence ao tomador, que assume o risco e arca
com o incômodo de empregar o dinheiro; e a outra parte pertence a quem faz o
empréstimo, proporcionando ao tomador a oportunidade de auferir seu lucro. Os juros
do dinheiro são sempre uma renda derivativa, a qual, se não for paga do lucro auferido
do uso do dinheiro, deve ser paga de alguma outra fonte de renda, a não ser que talvez o
tomador seja um esbanjador que contrai urna segunda divida para pagar os juros da
primeira.
A renda auferida integralmente do arrendamento da terra é denominada renda fundiária,
pertencendo ao dono da terra. A renda do arrendatário provém em parte de seu trabalho
e em parte de seu capital. Para ele, a terra é somente o instrumento que lhe permite
ganhar os salários de seu trabalho e tirar lucro de seu próprio capital. Todas as taxas,
impostos, e toda a renda ou receita fundada neles, todos os salários, pensões e anuidades
de qualquer espécie, em última análise provêm de uma ou outra dessas três fontes
originais de renda, sendo pagos, direta ou indiretamente, pelos salários do trabalho,
pelos lucros do capital ou pela renda da terra.
Quando esses três tipos de renda pertencem a pessoas diferentes, são distinguidos
prontamente; mas quando pertencem os três à mesma pessoa, por vezes são confundidos
entre si, ao menos no linguajar comum.
Uma pessoa que cultiva uma parte de sua própria terra, depois de pagar as despesas do
cultivo, deve receber tanto a renda que cabe ao proprietário da terra quanto o lucro de
quem a explora. Tal pessoa propende, porém, a considerar como lucro os ganhos todos,
confundindo assim a renda da terra com o lucro, ao menos no linguajar comum. Estão
nessa situação a maioria dos nossos plantadores norte-americanos e da índia Ocidental.
A maior parte deles cultiva sua própria terra, razão pela qual raramente ouvimos falar da
renda dessas terras, mas com freqüência ouvimos falar do lucro que elas produzem.
É raro os agricultores empregarem um supervisor para dirigir as operações. Geralmente
eles também trabalham muito com as próprias mãos, cultivando, arando, passando a
grelha etc. Por conseguinte, o que resta da colheita, após paga a renda da terra, não
somente deve restituir-lhes o patrimônio ou capital empregado no cultivo, juntamente
com seu lucro normal, mas deve também pagar os salários que lhes são devidos, corno
trabalhadores e como supervisores. E no entanto, tudo o que resta, após pagar a renda da
terra e restituir o capital empregado, é denominado lucro. Ora, evidentemente os
salários representam uma parte desse todo. Economizando esses salários,
necessariamente o arrendatário irá ganhá-los. Aqui, portanto, os salários são
confundidos com os lucros.
Um manufator independente, que tem capital suficiente tanto para comprar materiais
como para manter-se até poder levar seu produto ao mercado, deve ganhar tanto os
salários de um trabalhador contratado por um patrão quanto o lucro que o patrão realiza
pela venda do produto do trabalhador. E no entanto, tudo o que esse manufator
independente ganha é geralmente chamado de lucro; também nesse caso, os salários são
confundidos com o lucro.
Um horticultor que cultiva pessoalmente sua própria horta desempenha ao mesmo
tempo duas funções: proprietário da terra, responsável direto pela exploração da terra e
trabalhador. Consequentemente, seu produto deve pagar-lhe a renda que cabe ao
primeiro, o lucro que cabe ao segundo e os salários que cabem ao terceiro. No entanto,
comumente tudo é considerado como proventos de seu trabalho. Nesse caso, tanto a da
terra como o lucro são confundidos com os salários.
Já que em um país evoluído há somente poucas mercadorias cujo valor de troca provém
exclusivamente do trabalho, sendo que a terra e o lucro contribuem em larga escala para
perfazer o valor de troca da maior parte das mercadorias, a produção do trabalho anual
sempre será suficiente para comprar ou comandar urna quantidade de trabalho muito
maior do que a que foi empregada para obter, preparar e produção ao mercado. Se a
sociedade empregasse todo o trabalho que pode comprar anualmente, já que a cada ano
aumentaria consideravelmente a quantidade de trabalho, a produção de cada ano
sucessivo teria um valor muito superior ao da produção do ano anterior.
Entretanto, não existe país algum em que toda a produção anual seja empregada na
manutenção dos trabalhadores ativos. Em toda parte, os ociosos consomem grande parte
desta produção. De acordo, pois, com as diferentes proporções em que a produção anual
é a cada ano dividida entre os ativos e os ociosos, o valor comum ou médio dessa
produção deverá, de um ano para outro, aumentar, diminuir ou permanecer inalterado.